Foi dura, e até incompreensível para muitos, a reação de Alceu Valença ao receber um dos tantos prêmios dedicados aos artistas da música popular brasileira: um protesto, sim, cheio de razões procedentes, embora nem sempre aceitas pelos integrantes do júri, formado provavelmente por gente que conhece a matéria.

O porquê da reação de Alceu?

Ele havia recebido o prêmio de melhor disco de música nordestina, mas entendia, eis o busílis, que seu trabalho era de MPB - assim mesmo, ampla, geral e irrestrita. Não compartilhava dessa fragmentação, até porque sabe que sua obra faz parte do melhor cancioneiro nacional. Além do mais, não havia – e não há – um prêmio para a música carioca, ou paulista, ou gaúcha, ou mineira, nada disso.

Fique lá no seu cantinho – foi esse o recado?

Seguramente, o público não acha isso. 

Daí não se explicar o abuso do “nordestinês”, quase um dialeto à parte, que as novelas e filmes espalham pelas telas do país, inclusive com obras produzidas nesse pedaço majoritariamente quente do território nacional. Lembro-me, por exemplo, de um premiado filme de um cineasta nordestino, recente, que trazia no seu enredo “o novo cangaço”, com criminosos adornados com correntes e anéis de ouro, Lampiões 3.0 - mais assemelhados aos bicheiros estereotipados do passado, não os de agora, que esquiam na neve, matam ainda mais, são aplaudidos, abraçados e beijados nas escolas de samba, ostentam e vivem viajando pela Europa.

Detalhe fundamental: os personagens do filme foram apresentados como bandidos com consciência de classe, uma bobagem ainda alimentada por alguns deslumbrados do meio acadêmico (vá perguntar às suas vítimas, que não são os bancos, o que acham disso), que querem encontrar um herói "vindo do povo", não bastassem os milhões de anônimos que enfrentam com inegável heroísmo um cotidiano pleno de dores e misérias.

O interessante é que ninguém tratou de batizar esses agrupamentos criminosos, extremamente violentos, de "nova milícia". Ou, ainda, identificá-los com as organizações criminosas que espalham seus tentáculos pelo país e são até exportadas para longe do nosso território.

A denominação “novo cangaço”, eis a questão, está carregada de um preconceito atávico, estrutural, que parece termos dificuldade de superar. É uma associação permanente e indevida do Nordeste com o cangaço, que aqui prosperou como tantas outras manifestações violentas espalhadas pelo país. 

Além do mais, algumas produções artísticas, inclusive as que fazem sucesso com o grande público, tratam o Nordeste como se fosse um território monolítico, onde os habitantes de áreas as mais diversas falassem da mesma maneira, com a mesma prosódia. Nega-se, assim, uma das riquezas da nossa Região: qualquer pessoa com capacidade mínima de observar vai saber diferenciar, rapidamente, um nordestino da Bahia de outro de Pernambuco – pelo sotaque. Ressalte-se: todos brasileiros. O que se reproduz é uma fala caricata, o idioma pasteurizado de uma gente quase quinhentista, mais digna de chistes do que de respeito ou carinho dos “modernos” - por suas características próprias e diversas. 

E que não se entenda este breve texto como uma manifestação ressentida ou ufanista de um nordestino fervoroso, até porque eu bem sei – e você sabe – que alguns dos que nasceram e se criaram por aqui, vítimas de nordestinofobia lá fora, por aqui são racistas e/ou misóginos.

Em resumo, o Nordeste sofre dos mesmos males sociais comuns a todo o Brasil, ostentando também as suas características positivas. A concentração de renda e a injustiça econômico-social são as mesmas em qualquer parte do país. Se mais ou menos, é discutível, mas o que falta aqui, falta lá: “Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães” (Guimarães Rosa).

É verdade: temos muito o que aprender com brasileiros de outras paragens, mas temos também algo a ensinar, como nos versos de Acioly Netto, em “A natureza das coisas” - um xote digno da melhor fornada de Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira, a nos apontar o ritmo que a vida exige de nós:

Se avexe não
Toda caminhada começa no primeiro passo
A natureza não tem pressa, segue seu compasso
Inexoravelmente chega lá.

Sorria, chore e sorria de novo: você está no Nordeste!