Atualizada às 09h57

“A convivência com tantos mosquitos aqui é um tormento. Além do incômodo, eles trazem doenças como dengue e zika, que eu mesma já tive e ainda sofro com as sequelas. Meu neto também pegou, mas felizmente o caso dele foi leve”, relata a agente popular Jany Dayse Fidelis da Silva, de 44 anos.

Ela, que mora com o filho José Lucas, de 10 anos, e convive com o neto Erick Gabriel, de 3 anos, que fica em sua casa enquanto a sua filha está trabalhando, precisa lida diariamente com a falta de saneamento básico e a exposição a insetos e animais peçonhentos: ratos, baratas e escorpiões. 

Jany reside na Favela Muvuca, localizada no bairro Vergel do Lago, parte baixa de Maceió. A região do complexo lagunar, às margens da Lagoa Mundaú, é composta por quatro favelas, além da Muvuca, há a Sururu, Peixe e Mundaú. Os barracos são feitos com restos de lona e madeira.

O ideal seria termos saneamento, mas já que isso ainda não é realidade, ao menos poderiam oferecer repelente para a população”, reclama a moradora. 

O apelo de Silva — o acesso a água e o saneamento — é a sexta meta dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Brasil. Até 2030, o país precisa assegurar, entre as metas, a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento, alcançar o acesso universal à água potável e segura, alcançar o acesso a saneamento e higiene adequados e equitativos para todos.

Segundo dados da publicação “Primeiros anos em suas mãos”, da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, lançada em agosto, reconhecido oficialmente como o Mês da Primeira Infância, por conta da Lei n° 14.617 de julho de 2023, 7,2 milhões (35%) das crianças brasileiras não têm acesso à rede de esgoto, 1,9 milhão (9%) não tem acesso a serviço de coleta de lixo, e 618 mil (3%) moram em casas sem acesso à água encanada. 

A realidade de Jany também pode ser ilustrada a partir dos dados do Ranking do Saneamento de 2024, divulgados em março deste ano, pelo Instituto Trata Brasil em parceria com a GO Associados, que revelam que 71% da população da capital alagoana não tem acesso a esgoto. 

Ainda segundo o levantamento, em Maceió, o investimento em saneamento é o 7º menor do Nordeste. Além disso, em relação às capitais, a capital apresenta progresso gradual em direção ao cumprimento das metas de universalização do saneamento básico estabelecidas pela legislação de 2020. Essa lei visa garantir que, até 2033, 99% da população brasileira tenha acesso à água potável e 90% à coleta e tratamento de esgoto.

A pesquisa desenvolvida pelo Instituto analisa as condições de saneamento básico nas 100 cidades mais populosas do Brasil, utilizando dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) de 2022, divulgados pelo Ministério das Cidades.

Impacto no desenvolvimento infantil das crianças

A precariedade do saneamento básico em Maceió não é apenas uma questão de infraestrutura, mas se configura como um problema que afeta com profundidade o desenvolvimento físico, cognitivo e emocional das crianças, especialmente aquelas na primeira infância. 

Segundo o neuropsicólogo Luan Gama, os impactos se manifestam desde os primeiros dias de existência, com consequências que podem se estender por toda a vida.

Gama explica que a falta de saneamento é um dos principais fatores que afetam negativamente o neurodesenvolvimento das crianças em Maceió. “Estudos mostram que a falta de saneamento resulta em uma maior prevalência de doenças gastrointestinais crônicas, que, por sua vez, afetam o desenvolvimento cerebral, principalmente durante os primeiros anos de vida”, explica o especialista. 

 

Neuropsicólogo Luan Gama - Foto: Arquivo Pessoal

 

Um estudo da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), coordenado pela Prof. Dra. Telma Toledo e publicado em 2023, identificou uma relação direta entre a exposição a ambientes insalubres e o aumento de doenças gastrointestinais em crianças da capital alagoana. 

Essas infecções, segundo o especialista, comprometem a formação das redes neurais essenciais, resultando em atrasos cognitivos e motores.

A situação ainda se agrava quando é considerado o impacto delas na absorção de nutrientes, um problema que piora os quadros de desnutrição e anemia. “Infecções recorrentes impedem a absorção eficaz de nutrientes, piorando a desnutrição e a anemia, condições que impactam diretamente as funções executivas do cérebro, como a resolução de problemas e o controle de impulsos”, ressalta. 

Além disso, outro ponto crítico levantado por ele é a influência da desnutrição no desenvolvimento cerebral durante os primeiros 1000 dias de vida, uma fase crucial para a formação das sinapses e neuroplasticidade. “A deficiência de nutrientes essenciais, como ferro e iodo, pode resultar em déficits irreversíveis nas funções cognitivas superiores, como memória e processamento de informações”, afirma. 

A relação entre a exposição a ambientes insalubres e o atraso no desenvolvimento cognitivo e motor das crianças também é corroborada por estudos da Ufal, que indicam que crianças em áreas sem saneamento adequado têm 25% mais chances de apresentar dificuldades de aprendizagem e atrasos motores. 

 

BRK busca universalizar serviços de saneamento até 2037

A BRK Ambiental, responsável pela distribuição de água e esgoto em Maceió e Região Metropolitana desde o início de suas operações em 2021, com um contrato de concessão de 35 anos, a empresa prometeu universalizar o acesso à água até 2027 e ao esgoto até 2037. 

No entanto, as condições nas áreas de baixa renda são alarmantes. Em entrevista ao CadaMinuto, a empresa informou que “continuará investindo em expansão da infraestrutura de saneamento básico nos 13 municípios da Região Metropolitana de Maceió, com foco na universalização do acesso a água tratada e ao esgotamento sanitário.”

Apesar de reconhecer o problema, a BRK não possui estudos específicos sobre o impacto direto na saúde infantil. “Os dados nacionais mostram a gravidade da situação, e estamos cientes de que a falta de saneamento afeta a saúde pública de forma geral,” afirmou a empresa.

Para enfrentar esses desafios, a concessionária destaca investimentos como a nova Estação de Tratamento de Água em Rio Largo. A empresa afirma estar “focada em projetos inovadores para modernizar a infraestrutura e melhorar a eficiência dos serviços,” citando a ETA Mata do Rolo como um exemplo de seu compromisso com a melhoria da qualidade da água.

No entanto, diz conclui que a universalização dos serviços de saneamento é essencial para “reduzir as internações por doenças de veiculação hídrica e proporcionar um ambiente mais saudável.” A realidade, contudo, ainda deixa muitas questões em aberto sobre a eficácia e o alcance desses investimentos.

*Estagiária sob a supervisão da editoria 

Foto de capa: Arquivo/Fernando Frazão/Agência Brasil