A discussão envolvendo as chamadas “Emendas Pix” tem ganhado destaque no País. A pauta é alvo de impasse entre o Congresso e o Judiciário. O Supremo Tribunal Federal (STF) questionou a modalidade de transferência do recurso, atendendo a um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), que cobra o cumprimento de critérios como transparência, controle e fiscalização na sua execução.

Criadas em 2019, por meio de uma Proposta e Emenda Constitucional (PEC), as emendas Pix são diferentes das emendas tradicionais (individuais e de bancada), elas permitem que cada parlamentar indique valores para as contas de prefeituras e estados, que podem ser usados da forma que o prefeito ou governador bem entender, sem a necessidade de convênio ou outro instrumento do tipo para o repasse.

No modelo atual, ainda sem definição no Congresso, é possível saber qual congressista fez o repasse, mas não o destino da verba. Além disso, no destino, o dinheiro pode ser usado livremente pelo governador ou prefeito, sem vinculação com programas federais, o que compromete o planejamento e prejudica a fiscalização.

As emendas Pix são indicadas por cada deputado e senador e são de pagamento impositivo, ou seja, obrigatório.

No dia 1º de agosto, o ministro do STF, Flávio Dino, suspendeu o pagamento das emendas Pix, e estipulou, para o Executivo e Legislativo, o prazo de 30 dias para dar total transparência às emendas pagas desde 2020, incluindo as de comissão. O ministro exigiu critérios mais rígidos para a liberação dos recursos.

Para esclarecer sobre o que são as Emendas Pix, como elas funcionam e os critérios exigidos para o repasse aos parlamentares, o CadaMinuto conversou mestre e doutor em Ciência Política, Ranulfo Paranhos.

Confira a entrevista:

 O que são Emendas Impositivas? 

Emendas impositivas são de dois tipos, mas o que faz elas serem impositivas é o fato de que o governo tem que cumprir a ordem de pagamento, que, hoje, integra o orçamento da União no valor de aproximadamente de R$ 25 bilhões. Então, as Emendas Impositivas se dividem em: 

Emendas individuais- que são aquelas onde cada parlamentar tem o direito de fazer propostas de projetos e ações para Prefeituras e Municípios de seu interesse, onde essas propostas e ações visam sobretudo saúde e educação de uma maneira geral. 

Emendas de bancada- nesta você considera as bancadas de região, bancada partidária. Elas têm um orçamento para isso.

E o que são Emendas Pix?

A Emenda Pix recebe esse nome, e na verdade o termo correto para elas são transferências especiais, porque a partir de 2019, essas transferências deixam de ter a obrigatoriedade de informar um projeto específico para onde o dinheiro vai ser destinado, ou como esse dinheiro vai ser empregado. Então, esse dinheiro vai ser empregado para a construção de quantas casas? Qual a dimensão da casa? Em que região do município ficará a casa? O que terá como contrapartida para a construção de saneamento básico? O saneamento básico também está incluso ou não?  A casa vai ter que tipo de piso, que tipo de teto? , enfim, todas essas especificidades desaparecem e aí vira um tipo de recurso que é destinado aos Governos de Estados ou a municípios de interesse parlamentar, que simplesmente cai na conta do Município e do Governo e eles podem fazer o que eles julgarem que devem fazer. A forma correta de falar isso é: cai sem convênio, ou seja, cai sem projeto, não se sabe o que será feito com esses recursos. É por isso que é um PIX. E outra coisa, é impositivo, não tem como o governo dizer não. Essa emenda, desde 2019, sai de R$ 600 milhões para R$ 8,2 bilhões. Então, ela corresponde hoje a 1/3 das emendas impositivas, ou seja, 1/3 de todo aquele recurso da União que o Governo Federal, anualmente, não pode deixar de fazer o repasse. Ele repassa independente de ter ou não um projeto aprovado por Ministério A, Ministério B, se isso tem demanda pública ou não,  se atende ou não a uma demanda social. Por isso o nome de Emenda PIX, porque o gestor na ponta, que seria governador ou prefeito, pode fazer o que quiser com ela.

E por que as Emendas Pix são tratadas como instrumentos de improbidade administrativas? 

De maneira geral, são tratados como instrumentos de improbidade administrativa por um motivo simples: toda ação pública, o próprio termo já diz, pertence a todo mundo. A ideia de público é aquilo que pertence à República e que pertence a todos. Então, se pertence a todos, existem alguns princípios de funcionamento da máquina do Estado e eles implicam em transparência, fiscalização e controle. Todos esses recursos que são utilizados e encaminhados para prefeitos, governadores, que são transformados em projetos específicos, que é usado para, por exemplo, em casos de tragédia como o Rio Grande do Sul ou Brumadinho, todos esses recursos têm um registro da origem, um registro do destino e tem que ser feito o acompanhamento. Então, se você quiser tomar conhecimento sobre isso, esse registro existe. O caminho desses recursos existe e a gente tem que ficar sabendo.

O grande problema da Emenda PIX é a ausência desse controle e fiscalização. É o que a gente chama na ciência política de accountability, ou contabilidade, termo que a gente usa para controle e fiscalização e um mecanismo que funciona dentro dos estados democráticos e republicanos. Quando eu tiro isso e transformo em ações nebulosas, em emendas secretas, quando isso sai, já é difícil, por exemplo, você obter algumas informações do governo, porque você vai procurar informação e não é fácil. Você acessa a Lei de Transparência ou está em portal A e B, mas mesmo o pessoal da Economia, o pessoal da Administração Pública, o pessoal da Ciência Política, o pessoal do Direito, que lida com coisa pública, tem dificuldade às vezes de encontrar essas informações, de baixar essas bases de dados e entender como elas funcionam. Vocês da área de jornalismo investigativo, às vezes sentem uma certa dificuldade de encontrar, porque a pessoa que está disponibilizando o dado, ela não está disponibilizando da maneira mais simples, mais fácil. Eu não estou acusando, dizendo que isso é intencional, mas falta transparência. Nesses casos, na falta de transparência, você pode solicitar um dado via Lei de Responsabilidade Fiscal e esse dado, ao invés de chegar para você numa planilha de Excel, ele pode chegar em um PDF que foi simplesmente escaneado. Veja o quanto dificulta! Então, o nível de transparência é reduzido nesses casos.

Então, para um cidadão comum isso é quase inacessível. Primeiro entender o que são Emendas Impositivas, depois entender como elas se subdividem, depois entender por que uma emenda impositiva individual chamada de Emenda Pix, na qual o governador ou prefeito pode fazer o que bem quiser com esses recursos e que, na origem, apenas 1% dessas emendas modelo PIX descreve detalhadamente como esse dinheiro deverá ser empregado. Então, são 99% de ausência de informação, de clareza, que vai impedir fiscalização e que vai impedir transparência do dado.

Quais são os gargalos encontrados nas Emendas Pix?

A Emenda Pix encontra o seu principal gargalo agora com o ministro Flávio Dino (do Supremo Tribunal Federal (STF)). Quando ele começa a identificar, isso é uma medida do dia 1º de agosto, que o pagamento desses recursos e medidas com total ausência de transparência. Ele suspende essas emendas impositivas, todas - Emendas Individuais, Emendas de Bancadas, e consequentemente, as Emendas Pix- ele suspende e diz que não é aquilo que a gente entende como a forma mais transparente de fazer política. Os recursos que serão geridos e que serão administrados por prefeitos e governadores são como se fossem um cheque em branco. Então, com a coisa pública eu não posso te dar um cheque em branco. Como representante público eu não posso te dar um cheque em branco, por mais boa vontade que você tenha. Você precisa me apresentar um projeto, o projeto precisa passar, no mínimo, pela avaliação, pelo crivo de especialista, pela avaliação, compreensão e conhecimento público ou pelo conhecimento dos representantes. E a partir daí esse dinheiro é liberado e depois você tem que comprovar que executou aquilo que você prometeu. Se você não executa, aí a gente tem problema de novo, aí a gente tem problema de improbidade e, às vezes, é só improbidade e não é corrupção. Às vezes é corrupção. Normalmente toda corrupção é também uma improbidade administrativa, mas nem toda improbidade administrativa é uma corrupção. Então, nesse momento, o grande gargalo se chama ausência de transparência entendida, principalmente, pelo ministro Flávio Dino, mas entendida de uma maneira geral como representante do STF.

Ranulfo Paranhos / Foto: Arquivo Pessoal

 

Já não existia fiscalização  e transparência para esse tipo de dispositivo parlamentar? Por que o impasse no Congresso?

Existia fiscalização de transparência a partir do momento que você poderia acessar as bases de dados e saber que as medidas impositivas eram destinadas para a construção de praça, para a construção de quadra, para a construção de hospital, para a construção de escola, e aí depois você poderia fiscalizar, saber se isso foi construído efetivamente ou não. Se não foi construído, você tem um órgão fiscalizador que é a CGU(Controladoria Geral da União), que faz sorteio, que tem seccional estadual, que fiscaliza isso, que vai buscar quanto foi gasto em uma construção, ela fiscaliza a ação do Estado e a ação dos Municípios. Além disso, eu tenho, e aí, com a certa aspas abertas, eu ainda tenho Tribunais de Contas de Estado,  que têm desenhos institucionais diferentes. Por exemplo, o modelo do Tribunal de Contas do Estado de Alagoas não é exatamente igual ao modelo de todos os outros. Na verdade, é no geral, mas temos um modelo diferente para o Rio de Janeiro e eu acho que eu tenho um terceiro modelo no Brasil, que eu não lembro qual é o Estado, mas Tribunal de Contos de Estado ele julga as contas dos prefeitos, ele julga atos de improbidade administrativa. A CGU ela age dentro dos estados e dentro dos municípios, então eu vou ter ali mecanismos de controle. Eu posso acionar o Ministério Público para fazer denúncia, os próprios congressistas podem estabelecer denúncia, podem fazer denúncia, podem entrar com a ação na condição de congressista, podem maximizar a chance de que isso seja fiscalizado. Eu não posso e não dá para viver, ou melhor, não dá para avançar do ponto de vista da democracia, da qualidade democrática, quando eu começo a esconder ou dificultar o caminho da verba pública, o caminho do recurso público, quando eu dificulto mais ainda. Como o cidadão médio vai saber onde esse dinheiro foi empregado? A gente que lida com isso, com o pessoal da academia que pesquisa ou vocês da imprensa que fazem matéria, que tentam apresentar isso de forma pública,  já tem dificuldade de lidar com isso, imagine o cidadão comum.

Há critérios estabelecidos para Emendas PIX? Se sim, quais são?

Não. O critério hoje, quer dizer, até o dia 1º de agosto, era você dizer quem receberia, se um prefeito ou um governador, o valor da emenda que você está destinando. Esse valor você dizia de forma genérica em que deveria ser empregado, esse era o critério mínimo. Na verdade, todos os espaços ou todos os campos para preencher estão lá, para dar as informações do projeto, mas não existiu o critério do convênio, não existiu o critério do projeto específico, se tem parceria com Ministério, parceria com PUD e prefeituras, é o Governo do Estado que vai fazer gerenciamento ou é uma única Prefeitura. Como as etapas vão funcionar para a gestão desses recursos a curto, médio e longo prazo? Esses critérios não estão presentes. Eu estou citando aquilo não tem.

Então, é só você dizer genericamente, a Transparência Brasil tem um relatório que aponta que apenas 1% dessas Emendas PIX conseguem fazer detalhamento de como os recursos serão utilizados. Então hoje não tem critério.

Em sua avaliação como essa questão será resolvida no Congresso? E qual seria a forma ideal?

Bom, o Congresso já entrou numa quebra de braço com o Governo, tentando forçar o Governo a forçar politicamente o STF  para liberar essas emendas, porque elas, principalmente agora, são emendas em período de eleições ou essas emendas servem para abastecer bases políticas e agora sem transparência, cada vez mais sem transparência. Então, emendas desse tipo são de interesse dos parlamentares. Ela vai depender de uma decisão técnica, e essa decisão técnica é do STF, mas a gente não se engana com isso. O STF é uma casa técnica cuja função é guardar as Leis Constitucionais, ou seja, tudo aquilo que é decidido com verba pública ou a partir da ação pública, ela tem que estar dentro de um conjunto de regras e leis, e o STF é o guardador, por assim dizer, máximo dessas regras e dessas leis. Tudo aquilo que fere as regras e leis, o STF pode chamar para si a responsabilidade e tomar decisões. E é o caso que está acontecendo nesse momento, a suspensão da transferência de qualquer emenda. Ponto. Essa é uma decisão técnica. Mas, mas é bom lembrar que o STF também é uma casa política e que essas decisões técnicas, elas não são únicas e exclusivamente técnicas. Elas podem passar por uma avaliação política, por uma negociação política, sem que isso seja necessariamente corrupção. 

Seja como for, eu não sei se o STF tem força suficiente para entrar num embate público contra o Legislativo para impedir a existência da Emenda Pix. Mas ele pode, em nome da transparência e da fiscalização, exigir que a Emenda Pix continue, mas com informações suficientes para que os recursos possam chegar nas mãos de prefeitos e governadores. Essas informações são: Que tipo de projeto é? Atende a que público? É a curto, médio ou longo prazo? Como  esses recursos serão empregados? Qual o valor do recurso? Que tipo de empresa? Tem parceria? Ou seja, garantir a transparência para que essa transparência fique na base de dados, para que a gente saiba para onde o dinheiro está indo e como ele irá ser empregado.

Talvez essa seja uma solução técnica que o STF esteja exigindo nesse momento. Agora, se isso vai acontecer, não se sabe, mas do ponto de vista ideal, esses campos e as respostas para essas questões devem estar disponíveis.

No entanto, é bom lembrar que o STF é uma casa política também, que vai tentar entrar em acordo. Nesse momento, o Poder Executivo está sendo pressionado pelo Legislativo para forçar o Judiciário e, possivelmente, os três vão se sentar, em algum momento, para cada um expor as suas demandas e tentar chegar a uma solução. Mas a solução, segundo o STF, tem que ser via transparência, controle e fiscalização.