Para a esquerda em geral, e para petistas em particular, estamos diante de uma trama contra a democracia. Segundo esta versão, a Folha de S. Paulo está na linha de frente de uma campanha cujo objetivo final seria aliviar para a turma golpista perfilada à extrema direita. É por aí que se explica a série de reportagens do jornal sobre as gravações com auxiliares do ministro Alexandre de Moraes. Tratei do caso no texto anterior.

Volto ao assunto porque, como escrevi, são muitas e complexas as variáveis que envolvem o episódio. Um dos pontos mais delicados é a reação de jornalistas sobre o veículo que publica o assunto em primeira mão. Sobram opiniões que acusam a Folha de agir a serviço de interesses políticos. Lembrando: os maiores beneficiados com a novidade são a família Bolsonaro e aliados. Mas isso deve alterar a posição do jornal?

Sendo mais preciso: “em defesa da democracia”, um jornal deve praticar a autocensura? Porque é isso o que defendem os muitos que se mostram indignados com a Folha. Vejam que um princípio como este não é qualquer coisa. Se um troço desses se torna regra consagrada, o que nunca foi o ideal estaria perdido para sempre. O veículo não tem o direito de decidir o que é ou o que não é notícia. É uma linha mortal.

Claro, você pode pensar que na prática é assim mesmo, que a imprensa faz e desfaz do jeito que bem entende, e por aí vai. É o pensamento geral, o senso comum, como diziam os professores nas aulas de jornalismo da Ufal. Devemos exercer o ceticismo como os crentes exercem sua fé no Além. Mas exigir bom jornalismo não combina com a cobrança por uma abordagem de sua preferência. Muito menos com autocensura.

Não tem santo entre a “nova política”, os democratas de ocasião e a militância por um mundo melhor – o que inclui defender o fim da imprensa. Interesses espúrios, geralmente disfarçados de bom-mocismo, atravessam camadas, resumos e recortes desta ou daquela reportagem. É da vida. Mas não é tudo. A Folha faz jornalismo com as revelações sobre a atuação de Moraes nos inquéritos das fake news e dos atos golpistas.

Defender que o jornal esconda o que descobriu é erro brutal sobre imprensa, liberdade e garantias democráticas. Tal postura resume um conjunto tão amplo de equívocos que somente mostra o quadro geral de um mal de origem: o pior da política determina nossas escolhas. No “autoritarismo do bem”, que se publique tudo contra o outro lado; que nada seja dito quando o alvo, ainda que em tese, seja minha patota. Aí não dá.