Encontrei dois velhos conhecidos de quem gosto bastante, esta semana, e conversamos agradavelmente sobre tempos que se foram, já longe, mas que ficaram retratados na parede da minha memória.

Entre outras coisas, lembrei a eles que eu jogava bola e participava de brincadeiras na porta da minha casa, na época de infância. O que não seria de impressionar a ninguém, se não estivesse falando da Rua Buarque de Macedo, no Centro, “onde hoje os carros cortam com a mesma velocidade da vida”.

Não havia, registre-se, saudosismos na nossa conversa, tão somente o repassar de fatos que aconteceram há mais de 50 anos. De quando “o ar era limpo e o sexo era sujo”, no dizer de uma frase retirada do "The New York Times",  que li na semana que passou na deliciosa coletânea de crônicas de Ruy Castro, lançada recentemente e dedicada a Tom Jobim (“que está cada dia melhor”, copiando os argentinos com o seu Piazzolla).

É bem verdade que, para muita gente, o sexo ainda continua sujo, como o ar que temos de respirar nas grandes cidades. Se me permitem, a isso eu chamo de hipocrisia, afinal a Natureza não pode ser incriminada pelos “pecados” que inventamos na nossa tola cabecinha e que seriam cometidos, claro, pelos "outros”. Que essa turma se sinta nocauteada por Nelson Rodrigues, o iconoclasta tricolor, para quem “se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém.”

Antes do beijo na lona da “vida como ela é”, porém, um golpe mais leve do sujeito que brigou à direita e à esquerda, sem ser derrotado por nenhum dos lados:

- Tarado é toda pessoa normal pega em flagrante.

Dito isso, voltemos ao tempo do ar limpo, que nem eu devo ter alcançado com a pureza que cobram, sabiamente, os defensores da Terra como o único lugar no Universo onde habita essa espécie de que nos orgulhamos e nos envergonhamos com a mesma frequência.

O nosso papo havia chegado, até por digressão, à praia da Avenida, “a mais bela e democrática da cidade em todos os tempos”, opino, e cujo apodrecimento acompanhei sem ter dado o grito de alerta e protestado com a veemência merecida, como hoje imagino que deveria ter feito. As águas do Salgadinho carregaram para o oceano um tanto daquilo que os homens fazem tão bem. 

Em vários aspectos, e não todos, Maceió era mais cordial, então, sem nos meter tanto medo do escuro, quando este chegava, das mãos armadas de desconhecidos que se tornaram furiosos - e por motivos diversos. Pode-se até dizer que violência urbana não combina com urbanidade, mas esse pacote traz só mais uma das contradições humanas.  

Acho que não tive tempo, ainda, de sentir saudades da cidade em que eu cresci. Guardo dela as paisagens que até ficam nítidas, quando convidadas a se revelarem mais uma vez: o mar azul, que só cheirava a sargaço; os campinhos de terra, com algumas pedras que nos espreitavam à espera de um pé que iria firme ao seu encontro; “as pernas de louça da moça” que passava e eu não podia parar; os olhos adultos que nos perseguiam já esperando o tropeço do malfeito – tudo responde rapidamente, quando chamado.

A conversa rola até chegarmos aos dias de hoje. Sem muitas queixas, alcançamos a conclusão de que é bom mesmo estar vivo, agora, nesse lugar, sabendo que somos o que somos porque fomos o que fomos. 

Por ora, não há do que se arrepender.