“É um amor incondicional, nada supera. É só você ver o sorriso da minha filha para se apaixonar”, relata Arauí Conceição, de 35 anos, estudante de Direito, que compartilha do sonho da paternidade com o seu companheiro, Wellington Espíndola, de 28 anos, técnico em radiologia. 

Os pais de Bela Aurora, de apenas quatro meses, que comemoram o primeiro dia dos pais, neste domingo (8) moram no bairro Cidade Universitária, parte alta de Maceió, se conheceram por meio das redes sociais e decidiram, no decorrer do relacionamento de quase quatro anos, concretizar o sonho de ter um filho.  

“Na época, falei para ele assim: estou para fazer 34 anos e se eu fizer 40, eu não quero mais ser pai. E pensava, eu acho que está chegando a hora de darmos um passo para frente”, recorda o estudante.

Mas, para que o desejo se tornasse realidade, foi necessária muita pesquisa e a escolha de um método que encurtasse a espera. Primeiro pensaram na adoção convencional, depois começaram a conceber a ideia de utilizar inseminação caseira. 

A irmã de Wellington, Maria Isabel, de 23 anos, a qual é mãe de três filhos, se ofereceu para receber o sêmen doado por Arauí. O processo foi rápido e bem-sucedido. Esse método pode ser uma opção para casais com dificuldades de concepção natural, mulheres solteiras ou casais LGBTQIAPN+* que desejam ter filhos. 

No entanto, é fundamental buscar orientação médica para avaliar a viabilidade do procedimento e receber instruções adequadas, garantindo a segurança e o bem-estar da mulher.

Legalmente, o estudante é o pai registrado de Bela, mas o casal já está se informando sobre a possibilidade de incluir Wellington como pai afetivo. “A gente vai incluir, ou senão também eu posso durante esse tempo procurar um juiz para me encaixar como pai”, afirma o técnico em radiologia, determinado.

O amor que transforma 

A chegada de Bela transformou a vida do casal, fortalecendo o relacionamento e trazendo um novo sentido à vida. Logo após o seu nascimento, decidiram se casar. “Ela é o amor mais puro que a gente comhece”, declara Arauí, emocionado. 

A união foi oficializada em um casamento coletivo promovido pelo Centro de Acolhimento Ezequias Rocha Rego (Caerr), primeiro Centro de Acolhimento LGBTQIAPN+ de Alagoas e também destinado a pessoas que vivem e convivem com HIV/AIDS.

Apesar da felicidade, o casal enfrenta desafios diários, principalmente devido ao preconceito ainda presente na sociedade. “Quando a gente vai no posto vacinar a Bela, as pessoas já começam a ficar curiosas, querendo saber como ela chegou na nossa vida”, relata Wellington. 

 

Arauí Conceição e Welligton Espíndola, pais de Bela Aurora - Foto Arquivo Pessoal

 

No entanto, eles encaram essas situações com serenidade e orgulho, mostrando que conseguem ter uma família feliz e completa.

Inicialmente, os pais de Arauí não aceitavam sua orientação sexual, mas a chegada de Bela mudou tudo. “Hoje meu pai, mesmo com problemas de saúde, sempre pergunta pela neta dele”, conta, emocionado e, ao mesmo tempo, defende que a aceitação e apoio dos seus familiares tem sido fundamental.  

A rotina do casal é corrida, ambos trabalham na mesma empresa em turnos diferentes. Eles contam com o apoio da irmã de Wellington e dos avós de Bela para os cuidados com a criança. “A gente se reveza para poder cuidar de Bela, de casa, sempre comprando muito leite, muita fralda”, diz Arauí.

O casal está ciente dos desafios que ainda podem enfrentar no futuro, principalmente quando a pequena começar a frequentar a escola. “A gente vai ter que ser forte e sempre estar explicando as coisas para ela, para não confundir a cabeça”, afirma Wellington. No entanto, eles estão preparados e confiantes de que vencerão qualquer obstáculo com amor e união.

Como é feita a inseminação caseira e os riscos à saúde?

A inseminação caseira é um procedimento de reprodução assistida que envolve a introdução do sêmen diretamente no trato reprodutivo feminino, geralmente no colo do útero ou no útero, sem a supervisão de um profissional de saúde. 

O processo envolve geralmente a coleta do sêmen do doador em um recipiente esterilizado e a sua inserção com o auxílio de uma seringa ou outro instrumento.

Embora a inseminação caseira possa parecer uma opção mais acessível e privada, ela apresenta riscos significativos, que devem ser considerados, a exemplo da possibilidade de infecções, lesões e reações alérgicas, e a propensão a doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), aumentando o risco de transmissão para a mulher e, potencialmente, para o feto.

Adoção: caminho possível para a paternidade 

Além do método usado por Arauí e Wellington, a adoção pode ser uma alterativa para casais LGBTQIAPN+ realizarem o sonho da paternidade. Pela lei brasileira, não há diferenciação no processo ou na legislação. Em Alagoas, eles têm à sua disposição ONGs e associações, que auxiliam no processo do ato jurídico que estabelece relação legal de filiação.

Em entrevista ao CadaMinuto, o advogado especialista em adoção, Thiago Cobra, explica que perante a Constituição Federal de 1988, esses casais passam pelas mesmas avaliações e critérios para a adoção, que um casal heterossexual.

Segundo o especialista, os interessados em adotar devem procurar a Vara da Infância e Juventude de sua comarca para iniciar o processo de habilitação, apresentando documentos como certidões de antecedentes criminais, comprovantes de renda e residência, e atestados de saúde básica e mental.

Além disso, devem participar de um curso preparatório para adoção. Uma equipe técnica multidisciplinar realizará um estudo psicossocial dos pretendentes, que inclui entrevistas e visitas domiciliares. Após a habilitação, os pretendentes são inscritos na fila do Cadastro Nacional de Adoção (CNA). A partir daí, se deve aguardar a identificação de uma criança ou adolescente compatível com o perfil desejado.

 

Advogado especialista em adoção, Thiago Cobra - Foto: Arquivo Pessoal

 

“Quando uma criança ou adolescente é indicado para adoção, ocorre o estágio de convivência de no máximo 90 dias, supervisionado pela equipe técnica. Se tudo correr bem, o juiz concede a guarda provisória. Após um período de adaptação, é realizada a audiência de adoção, onde o juiz pode conceder a guarda definitiva”, explica. 

Segundo o advogado, desde que casais LGBTQIAPN+ passaram a poder se habilitar para a adoção, após decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal em 2015, o número geral de adoções aumentou 113%, entre os anos de 2021 a 2023.

O levantamento é da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-BR). De acordo com os dados, 50.838 crianças foram registradas por casais homoafetivos no Brasil entre os anos de 2021 e 2023.

Cobra revela que, nos anos que tem na área já ouviu diversos relatos de episódios preconceituosos que impactaram negativamente a experiência e o andamento do processo de adoção. “Infelizmente, ouço com certa constância relatos de julgamento e discriminação por parte de alguns profissionais envolvidos no processo de adoção em relação a casais LGBTQIAPN+”, disse.

Projeto do TJAL inova na busca de lares para crianças e adolescentes 

O projeto “Adoções Possíveis”, do Tribunal de Justiça de Alagoas, utiliza fotos, vídeos e outros recursos para apresentar esses jovens de forma mais pessoal e cativante. O foco está em crianças acima de seis anos, adolescentes, grupos de irmãos e aqueles com necessidades especiais, que enfrentam muitas vezes dificuldades para encontrar uma família adotiva. 

Por meio de uma campanha multimídia, que inclui redes sociais, cinemas, shoppings e até estádios de futebol, o projeto tem em vista sensibilizar e informar potenciais adotantes sobre a realidade dessas crianças, quebrando estereótipos e ampliando as possibilidades de adoção.

A iniciativa reconhece que o perfil desejado por muitos candidatos à adoção costuma ser restrito, dificultando a colocação de crianças fora desse padrão. Ao apresentar as histórias e personalidades desses jovens de forma mais próxima e humana, o projeto convida a sociedade a repensar seus conceitos e considerar a adoção como um gesto de amor que transcende idade, aparência ou condição de saúde.

*A sigla LGBTQIAPN+ é atualmente a mais utilizada para representar a diversidade de gêneros, identidades e orientações sexuais, incluindo lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer, intersexuais, assexuais e pansexuais. Cada letra carrega consigo histórias de luta e resistência.

*Estagiário sob supervisão da editoria