Para abusar da retórica olímpica: o governo do Brasil está nas cordas diante da crise na Venezuela. Precisa tomar uma decisão que está sendo adiada há cinco dias. A suposta vitória de Nicolás Maduro é contestada mundo afora diante dos sinais evidentes de fraude no processo eleitoral. Estados Unidos, Argentina, Uruguai e Peru reconheceram o opositor Edmundo González como presidente eleito. É um passo no mínimo controverso.
Países como o Chile não chegaram a esse ponto, mas declararam não reconhecer o êxito de Maduro. Foi o suficiente para o venezuelano expulsar o embaixador chileno junto com outros diplomatas de mais seis países que adotaram a mesma posição. Até agora, ao lado de México e Colômbia, o Brasil não fez nem uma coisa nem outra. As três nações cobram de Maduro a divulgação das atas de votação, prometidas desde o domingo.
Seria a prova documental do que de fato aconteceu nas urnas. O Conselho Nacional Eleitoral, controlado pelo governo, promete divulgar tudo, mas até agora nada. Com dados alternativos à fonte oficial que mostrariam os números reais da votação, o grupo de González diz que ele venceu a eleição com mais de 60% dos votos. É essa a base da posição dos países que rejeitam a proclamação do exótico Maduro como vencedor.
O presidente venezuelano não está sozinho entre os tubarões da geopolítica. Rússia e China saudaram o resultado das urnas e parabenizaram o supostamente eleito. A guerra fria acabou, os muros caíram e os blocos desmoronaram, mas o racha entre as potências está mais profundo do que nunca. No jogo de forças, ideias e apostas sobre democracia e autoritarismo. É aí que Lula se movimenta sob a pressão – caseira e mundial.
O tema sacode a política em todos os ambientes de debate. Na grande imprensa, Lula apanha de cem por cento dos editoriais e de grande parte de colunistas. Nos veículos “alternativos”, a galera à esquerda tem dificuldade de aliviar para Maduro. A direita faz a festa e revive todas aquelas teses que se resumem em “Lula, amigo de ditaduras”.
Sim, aqui também estamos diante da “disputa de narrativas”. Sempre mais afoita, a cúpula nacional do PT celebrou o “espetáculo soberano e democrático do povo venezuelano”. Não é a posição oficial do governo brasileiro – ainda. Como representante legítimo da democracia, Lula está diante de um teste incômodo. Terá de falar tudo.