É claro que eu entendo que a imitação de macacos entre nós, principalmente nos campos de futebol em que brilham os astros negros, é uma manifestação de racismo. Absolutamente estúpida como todo o preconceito, até porque, no caso específico do esporte mais popular do planeta, o Rei era (é) negro, e seus súditos, de todas as cores e credos.

Mas a imagem que construímos dos macacos, a quem consideramos uma espécie inferior, diz mais respeito à nossa arrogância do que sobre o conhecimento que temos do nosso alvo de achincalhe (e de nós mesmos). 

Entre os grandes primatas estão os nossos parentes mais próximos, ainda que não eles não sejam nossos antepassados – esta culpa eles não carregam. Ter 98% do nosso DNA, como no caso dos chimpanzés, deveria nos provocar empatia e respeito, e não o deboche dos boçais e imitadores baratos espalhados pelo planeta que só parece pertencer aos humanos – mais uma arrematada mentira.

O que a ciência sabe, a partir dos estudos cada vez mais avançados da Evolução, é que tivemos um ancestral comum, há 6,5 milhões de anos, com características físicas e comportamentais que dividimos com os outros grandes primatas - os macacos sem cauda (rabo): chimpanzés, bonobos, gorilas e orangotangos sentem raiva, afeto, empatia e tem o gosto natural pelo viver em bando, até por necessidade.

Mas eu queria mesmo era dizer que tenho uma admiração imensa e um elevado carinho por esses bichos tão vilipendiados e humilhados por racistas e idiotas do mundo inteiro. Na minha estante, a que sempre recorro quando preciso de paz e sossego, dividem espaço com Guimarães Rosa, Machado de Assis e Philip Roth, autores como Jared Diamond (O terceiro chimpanzé), Frans de Waal (A era da empatia, Eu, primata, O último abraço da matriarca), e outros admiráveis estudiosos do tema que contam a longa e excitante história dos “macacos” sem rabo, tão semelhantes a nós que, às vezes, somos obrigados a nos perguntar quem é  mesmo "o cara" na trajetória da vida desde sua origem.

Também já vi ao menos cinco vezes o filme A montanha dos gorilas, com a ótima e bela Sigourney Weaver, que há de servir ao menos para mostrar o quanto é injusta a comparação entre os ditadores militares e os protagonistas dessa bela história que a Sétima Arte nos apresenta.  Até porque os pesquisadores entendem que os gorilas (como os demais primatas) fazem alianças entre eles e até usam, sim, da violência na disputa pelo poder dentro dos bandos, mas não há notícias na literatura específica de gorilas torturadores ou racistas, por exemplo.  

Desafio leitores/leitoras, principalmente os/as que agora desdenham desse escrevinhador amador, a se debruçar sobre as obras acima citadas e, ao final, negar que passou a ver nossos primos peludos com um olhar de mais simpatia e até com alguma fraternidade.  

Acho essencial o papel que Vini Júnior, o craque brasileiro, vem desempenhando no universo do futebol, enfrentando racistas e outros otários que acham que a cor da pele lhes garante mais valor no mercado das humanidades. Eis a razão central da sua estupidez.

Mas, cá para nós, me senti mesmo contemplado no dia em que Daniel Alves, antes do estupro, descascou uma banana e a comeu, em resposta aos que pretendiam humilhá-lo numa partida do Barcelona, clube a que defendia (o ex-jogador errou no tratamento com outra espécie – a dele -, mas ali ele mandou bem demais). 

E é para valer, mesmo, a minha sincera admiração pelos “macacos sem rabo”, o que os meus mais próximos e chegados estão enfadados de saber - e tratam isso com respeito. Veja só: uma amiga querida, Dayse Vilela, se deu ao trabalho de tricotar um chimpanzé (eu) abraçado com os Ensaios de Montaigne, um presente que guardo com muito zelo e carinho ao lado dos meus livros, filmes e CDs. 

Meus proprietários, João Vicente e Joaquim, também se divertem com as minhas imitações, ainda que sem muito talento, de chimpanzés e gorilas. Os bonobos? Bem, quando eles crescerem mais o vovô pretende explicar-lhes como essa espécie – que já foi chamada de “pequeno chimpanzé” – resolve seus conflitos. Quem sabe eles tomam gosto pelo criativo e prazeroso método de apaziguamento de ânimos. 

Darwin, o gênio que desvendou a origem da vida e das espécies, nunca afirmou que o homem descendia do macaco, mas carregou essa infâmia até o último dos seus dias – ainda hoje os ignorantes proliferam essa fake news (virou um clássico a charge em que ele aparece meio homem/meio chimpanzé). Acima de tudo um sujeito bom e justo, o cientista britânico morreu sem a culpa de ter feito tão injusta acusação aos nossos semelhantes.

E o que dizer de nós mesmos?

Roubamos-lhes a casa, a comida e insistimos em tentar arrancar-lhes a dignidade até nos estádios de futebol.