Desde a redemocratização do país, a eleição mais tensa para a prefeitura de Maceió foi a de 1996. No primeiro turno, oito nomes se enfrentaram, entre eles Kátia Born, Heloísa Helena, Albérico Cordeiro e Denilma Bulhões. Foi uma disputa conturbada desde o início, mas a coisa pegou fogo no segundo turno, disputado entre Kátia e Heloísa. Como era outro mundo, o embate foi chamado na mídia nacional de “Duelo das Marias Bonitas”.

Em 14 de novembro, um dia antes da votação, a casa de Heloísa Helena foi metralhada por volta de uma e meia da madrugada. A polícia informou que foram ao menos 26 disparos que atingiram a fachada da residência da candidata. As balas atravessaram uma janela e chegaram a uma parede no interior do imóvel. A então petista disse que dormia com o marido. “Pensei que o teto havia desabado”, contou a jornalistas.

Na mesma madrugada, a sede do PT em Maceió também foi alvejada. Heloísa afirmou não ter dúvida de que se tratava de um “atentado político” e atribuiu a ação ao “sindicato do crime organizado em Alagoas”. Kátia Born, do PSB, reagiu acusando “armação” com objetivo de “proveito político”. O deputado Chico Tenório, também no PSB, foi mais direto: “Ela armou isso contra mim”, passando recibo às críticas de Heloísa.

Após as primeiras reações, Kátia bateu mais duro ao reiterar que o ocorrido teria sido forjado por sua adversária: “Todas as evidências indicam que houve armação para manipular os eleitores. Isso me parece mesmo um jogo de derrotados”. A tensão na disputa levou o Ministério da Justiça a colocar a Polícia Federal na segurança das duas candidatas. Até ali as pesquisas mostravam que a eleição estava indefinida.

No dia do voto, claro, o ambiente seguia pesado. Temendo o crescimento de Heloísa, o grupo de Kátia espalhou panfletos reafirmando que o atentado havia sido armado. “Foi uma armação falsa e grosseira, mas o povo não cai nesse tipo de armadilha”, disse a candidata do PSB no começo da manhã. Heloísa, de seu lado, afirmava que recebia ameaças de morte havia vários dias. E chorou ao ao dar entrevista antes de votar.

Acompanhei o caso como chefe de redação da TV Gazeta. Márcio Canuto era o diretor de jornalismo. O episódio foi tratado com cuidado extremo – para não cair no que hoje se chama de “narrativas” de nenhum dos lados. O tom da cobertura foi discutido com a direção de jornalismo da Globo. Um crime às vésperas de uma eleição numa capital do país não é qualquer coisa. Mostramos todos os fatos, livres de pressões e com isenção. 

As urnas confirmaram o acirramento daquela disputa, mas nunca saberemos até que ponto os tiros na casa de Heloísa influenciaram o desfecho do segundo turno. Kátia foi eleita com 50,99% do eleitorado contra 49,01%, uma diferença ínfima de 4.300 votos. Foi, até onde sei, a eleição mais apertada pela prefeitura de Maceió na história.  

As rajadas de balas na residência de Heloísa e na sede do PT nunca foram esclarecidas, mesmo com investigação da Polícia Federal. As declarações citadas neste texto foram publicadas na Folha de S. Paulo, em matérias de Xico Sá, e no Jornal do Brasil, em reportagem de Cássia Oliveira, com quem tive o privilégio de trabalhar na TV Gazeta.

28 anos depois, Kátia Born é secretária de Assistência e Desenvolvimento Social no governo de Alagoas. Heloísa Helena mudou de praia e é candidata a vereadora pela capital fluminense. Em 2022, ela tentou se eleger deputada federal pelo Rio de Janeiro, mas não conseguiu. No X, se apresenta como “Sertaneja raiz braba”. Boa sorte às duas.