É verdade, gente: a ciência já se dedicou a estudar a fofoca e chegou à conclusão de que a linguagem humana deve, e muito, à Sua Excelência.

No seu já clássico Sapiens, o polímata Yuval Noah Harari traz um histórico possível da fofoca, desde os tempos das cavernas, defendendo a tese de que devemos muito a ela para a sobrevivência da nossa espécie. Mas aí chegamos à evolução dos bípedes implumes e demos à fofoca a sua maior utilidade hoje, observa:

- Não é suficiente que homens e mulheres conheçam o paradeiro de leões e bisões. É muito mais importante para eles saber quem odeia quem, quem está dormindo com quem, quem é honesto e quem é trapaceiro.

O historiador desenvolve, então, alguns princípios fundamentais da dita-cuja, batizando de Teoria da Fofoca uma parte essencial da comunicação humana nos tempos pós-modernos. Ele garante que “pode parecer piada, mas vários estudos a corroboram”.

É tão natural para nós fofocar e se alimentar da fofoca – por e-mails, telefonemas ou colunas de jornais –, “que é como se a nossa linguagem tivesse evoluído exatamente com esse propósito”. E, na sequência, Harari revela as conversas que travam, por exemplo, físicos nucleares em encontros acadêmicos. Nada de partículas subatômicas ou outros mistérios inacessíveis às pessoas comuns: “Com muita mais frequência eles fofocam sobre a professora que flagrou o marido com outra” - e seguem observações do gênero.

Claro que nós, os jornalistas, não escapamos das observações cáusticas do pensador israelense. Até porque a história traz relatos que devem nos envergonhar, a todos os que somos da imprensa, de situações que terminaram em tragédia - por transformar em notícia o que deveria ficar “apenas” no território da fofoca. 

Um dos casos mais famosos resultou na morte (assassinato), no final de 1929, de Roberto Rodrigues, irmão de Nélson Rodrigues e filho de Mário Rodrigues. Este foi quem deu o enredo da tragédia familiar, quando o polêmico e genial teatrólogo, jornalista e - não menos importante - tricolor tinha pouco mais de 17 anos de idade. 

O jornal Crítica, de Mário Rodrigues, um combativo e aventureiro editor, tratou de buscar leitores ávidos na divulgação de uma fofoca sobre o adultério que teria sido praticado pela socialite Sylvia Seraphim, bastante conhecida pela beleza e por frequentar meios intelectuais e literários. O farto noticiário acerca do seu desquite com um conhecido médico carioca, Dr. João Thibau Jr., era puramente escandaloso: ela teria sido “seduzida” por outro médico, diferentemente do motivo protocolar alegado para a separação: incompatibilidade de gênios.

Para o jornal da família Rodrigues, a fofoca merecia o devido destaque nas edições diárias, que traziam “as notícias” sobre o processo de desquite do casal (o divórcio só se tornaria lei no Brasil no final de 1977). Na sequência, após se tornar o assunto do dia entre os circulantes da chamada high society, Sylvia foi até a redação da Crítica à procura de Mário Rodrigues. Não o encontrou, mas se deparou com o filho Roberto, contra quem disparou um tiro mortal. 

(Dias depois, iniciou-se no periódico uma campanha sórdida contra ela, que passou a ser tratada, conta Ruy Castro, pela inimaginável sinonímia de prostituta: fua, gandaia, paneleira, hetaira, caldéria, cróia, barregã, rulara, sentina, ribalda, pataqueira, loureira, marafona, biraia e outras palavras que, provavelmente, nem mais serão encontradas em dicionários da língua portuguesa.)

A questão básica: a quem deveria interessar a separação da bela e celebrada mulher com o respeitado médico? 

Talvez, se pudéssemos responder a essa pergunta, chegássemos a um sem-número de “cúmplices” do duplo assassinato (Sylvia já estava moralmente morta).

E para quem acha que está livre de ser alvo de alguma fofoca, imaginando viver em um ambiente mais saudável, civilizado, é bom lembrar o aviso de Millôr (sempre ele):

- Quando você passar muito tempo sem saber de alguma fofoca desagradável a seu respeito, verifique bem: você pode ter morrido e esqueceram de lhe comunicar.