Após quase 40 anos de debate, a Reforma Tributária parece começar a tomar forma no Brasil. Conforme a proposta de emenda à constituição (PEC nº42/2019), aprovada em dezembro de 2023, cinco impostos são substituídos por um único, o Imposto sobre Valor Adicionado (IVA Dual), que por sua vez é composto pelo CBS (Contribuição Sobre Bens e Serviços) e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).

No último dia 10 de julho, a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base da reforma tributária, com uma versão que trava a alíquota do futuro IVA. Ela inclui remédios na lista de produtos com imposto reduzido e amplia a cesta básica nacional com imposto zero. Por meio de um destaque, carnes, peixes, queijos e sal foram incluídos na lista de alimentos com isenção. 

Com o avanço das discussões entre os parlamentares, o tema segue dividindo opiniões, de um lado estão os otimistas em relação à forma simplificada das regras. Do outro, estão os que acreditam que o resultado será uma maior carga tributária.

O texto foi enviado para análise no Senado e a implementação das mudanças só deve começar oficialmente em 2026.

Para esclarecer alguns pontos sobre a Reforma Tributária, mudanças, isenções e impactos, o CadaMinuto conversou com o economista Lucas Sorgato. Confira a seguir:

 

O economista Lucas Sorgato / Foto: Arquivo Pessoal

 

 Quais os impostos que foram substituídos pelo IVA Dual?

Basicamente a gente teve a junção dos impostos federais e dos impostos estaduais e municipais. No quesito federal foi a junção do IRPJ (Imposto sobre a renda das pessoas jurídicas),  CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), PIS (Programa de Integração Social) e COFINS (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) formando o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a gente tem também a junção por outro lado do ISS (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza) e do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) formando o CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços prevista a partir da Reforma Tributária). Então, a gente teve a simplificação tributária saindo de seis macro impostos, onde cada um tinha sua especificidade, para dois impostos com mesmas alíquotas. A gente tinha antigamente várias alíquotas de ICMS, várias alíquotas de ISS, agora todo mundo tem uma única alíquota.

Quais serão os impactos diretos sentidos pelas empresas quando a Reforma Tributária entrar em vigor?

O principal impacto que a gente tem com a reforma tributária para as empresas vai ser no ganho de tempo. Hoje o Brasil é tido como o pior país do mundo no quesito de tempo para resolver as pendências tributárias, dadas as nossas várias especificidades. Vamos imaginar que você tem 27 estados da federação, que é o caso, 26 mais um, cada um tem a sua regra de ICMS. Então, você tem aí várias e várias lógicas de tributação diferentes entre elas. Fora isso, você tem 5.500 municípios, cada um tem a sua regra de ISS, daí você já tem uma complexidade muito grande entre eles. Você tem empresas em lucro real, lucro presumido, simples, substituição tributária entre N itens. Então, o principal ganho da reforma tributária é de fato a compactação de tempo que se tem nela.

 Os impactos serão diferentes para cada setor?

Vai ter diferença entre os setores? Vai, porque a gente tem o imposto de valor agregado. Você tem, digamos, menos valor agregado para o início da cadeia. Vou colocar assim, um aspecto talvez agropecuário, um aspecto industrial mais simples. E você vai agregando mais valor conforme a cadeia vai se desenvolvendo. Comércio, serviços, enfim. Então, daí você já tem uma mudança entre isso.

As empresas estão prontas para as mudanças culturais decorrentes da Reforma Tributária?

Acredito que sim, pelo ganho que a reforma tributária vai dar. É evidente, claro, que no primeiro momento ela vai gerar todo um descontentamento por ser uma novidade. Então, você vai ter o sistema atual vigente mais o sistema novo. Vai gerar uma certa burocracia inicial que vai dificultar um pouco o entendimento. Mas eu acredito que, logo que a vantagem for percebida pela reforma tributária, isso vai ficar muito claro para as empresas e todo mundo vai aderir tranquilamente.

A guerra fiscal entre os Estados, para ver quem consegue atrair mais investimentos privados, é um tema recorrente no modelo atual. O novo sistema pode amenizar ou pôr fim a essa disputa?

O novo sistema põe exatamente um fim sobre isso. Por quê? Porque a reforma tributária propõe uma alíquota única para todo o País. Vai ser o nosso IVA (Imposto Sobre o Valor Agregado) que atualmente está sendo previsto em 26,5%. Todos os estados vão praticar a mesma alíquota de imposto. Então, a guerra fiscal cai por terra. Neste sentido, vai ter um fundo de compensação para essa questão do ICMS e para os Estados.

Você acredita que a Reforma Tributária vai tornar o mercado brasileiro mais atrativo para investimentos internacionais?

Com toda certeza. Veja bem,  o Brasil tem um dos piores sistemas tributários do mundo. Então, imagine um investidor japonês, africano, inglês, enfim, que seja de fora, que esteja acostumado a um sistema mais simples, mais básico. Quando ele vem aqui para o Brasil, ele não entende a complexidade tributária que a gente tem. Com base nisso, vai tornar bem mais simples esse entendimento e, com certeza, vai deixar o país mais atrativo. E a disputa não será, agora, por benefícios fiscais, não. Eles vão analisar o Brasil e vão pensar: “poxa, é um mercado interessante, faz sentido? Sim, faz. Dá para investir lá tributariamente? Dá. Então, vamos”.

Quanto ao cenário doméstico, quais serão os ganhos, se houver?

Para o mercado doméstico vai deixar mais fácil e mais clara a concorrência. Existiam algumas distorções tributárias aqui no Brasil. Uma clássica que sempre é comentada é a do bombom Sonho de Valsa, que a empresa classificou não como bombom ou chocolate, mas como biscoito wafer. Isso fez com que ela tivesse um ganho tributário, ou seja, pagar menos impostos e, pagando menos imposto, ela se tornou mais competitiva do que os seus demais concorrentes. Mas, ela fez isso por uma brecha tributária. Então, a reforma vai parar isso daí. Não vai existir mais essa brecha, todo mundo vai competir de maneira igual. E desta forma você vai buscar novas formas de conquistar o cliente, via diferenciação, via preços, via qualidade, enfim, tanto faz. E vai depender de cada empresa fazer o seu diferencial.

O que muda para o consumidor?

O consumidor vai ver de forma mais clara como funciona essa questão do imposto. Ele vai entender melhor para quê, quanto está pagando e por que está pagando esse imposto. Então, será mais fácil para ele entender como que se chegou naquele preço do produto, porque ele vai saber exatamente quanto ele está pagando de imposto, apesar de que o valor já sai nas notas fiscais, atualmente. É isso,  esta informação vai ficar de maneira ainda mais clara.

Quais os itens que podem ser isentos de impostos?

A isenção tributária que se tem na reforma atualmente prevê alguns grupos prioritários, dentre eles alguns interessantes, por exemplo, alimentos, os itens que compõem uma cesta básica definida pelo governo. Entra na isenção arroz, feijão, atualmente você teve ingresso da carne, leite, óleo. Você tem aí uma série de itens, são 25, se não me engano, que tem uma isenção tributária total e vai tornar mais barato esses itens. Também tem a isenção de medicamentos, principalmente os que são de uso contínuo,  os de combate à pressão arterial, para obesidade, entre outros.

Como funcionará o cashback para famílias de baixa renda?

Existem algumas regras. Vai depender do item, por exemplo, o botijão de gás, ele vai ter 100% de retorno, para o CBS, que é um imposto federal, e 20% do IBS, que é o imposto estadual  e municipal. Isso aí retorna para o cidadão. Itens como luz, água, entre outros também tem a mesma distribuição de alíquota de retorno, 100% de CBS e 20% de IBS. E todos os outros demais itens terão um retorno de 20% em cima do IBS, dada a classificação a ser divulgada pelo governo. Então, o cashback tem, mais ou menos, essa lógica, ou seja, no geral o IBS está sendo em 20% de retorno, e o CBS  um pouco mais, a depender da essenciabilidade do bem.

E o imposto seletivo? Como ele funciona?

O imposto seletivo, popularmente conhecido como imposto do pecado, é um imposto mais elevado para produtos que são essencialmente prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Então, à saúde: bebidas alcoólicas e cigarros, por exemplo, são itens que estão sendo punidos nesse imposto seletivo. Ao meio ambiente: a gente tem aí carros, itens que têm uma geração de descarte de baterias, dentre outros.  Então, aquilo que torna a saúde humana pior, ou o meio ambiente pior está sendo punido, anteriormente, pelo imposto seletivo, pensando que lá na frente você tem o gasto com isso. Um exemplo: um fumante, que lá na frente pode utilizar o serviço do SUS (Sistema Único de Saúde) para poder fazer o tratamento de alguma sequela, oriunda do cigarro,  ele já paga o imposto pensando que, lá na frente, caso tenha que usar o serviço de saúde, ele já pagou mais por isso. Aí o sistema de saúde consegue fazer o tratamento dele porque teve esse recurso adicional lá atrás, caso ele não tenha dinheiro para bancar de forma privada. Então, a lógica é mais ou menos essa, você já cobra antes pensando no uso lá futuro.