O presidente da República concede entrevista exclusiva a uma emissora de TV. Antes da exibição no telejornal da casa, um trecho é divulgado por uma corretora cheia de clientes que ganham dinheiro com especulação no mercado financeiro. Foi o que aconteceu na terça-feira, 16 de julho. O vazamento da informação foi atribuído à jornalista Renata Varandas, que entrevistou Lula para a Record TV. Ela foi demitida.

Este já é um dos maiores escândalos de que se tem notícia envolvendo um nome da grande imprensa brasileira. Varandas é sócia da Capital Advice, uma agência de análise política. Pelo que se sabe, assim que terminou a entrevista, ela repassou o conteúdo de um trecho da fala de Lula à Advice. Em seguida, a informação chegou à corretora BGC, que é cliente da empresa da repórter. Conflito de interesse na veia.

Assim que a BGC divulgou uma declaração de Lula, o dólar subiu. Ou seja, a ação da repórter pode ter gerado lucro a investidores, além de causar instabilidade na economia. Para piorar, o que a corretora divulgou não é exatamente o que Lula dissera, como fica evidente na entrevista completa divulgada pela Record na noite da terça-feira. O ministro Fernando Haddad reforçou que a fala de Lula estava distorcida pela corretora.

Renata Varandas estava na Record desde 2007. Experiente na cobertura de política em Brasília, era um nome em ascensão no jornalismo da emissora. A TV disse que não sabia que ela era sócia de uma empresa de consultoria desse tipo. Depois de uma rápida apuração do caso, a decisão foi pela rescisão do contrato com a profissional.

O caso lembra dois episódios ocorridos no Grupo Globo. Em 2019, o então apresentador do Jornal Hoje, Dony de Nuccio, perdeu o emprego após a revelação de que recebera 7 milhões de reais para produzir conteúdo para o Bradesco. Sua atuação paralela era desconhecida pela TV Globo. Assim como Varandas, estava em alta na emissora.

A outra situação é mais antiga e envolveu um medalhão da velha imprensa. Colunista de O Globo e comentarista no Bom Dia Brasil, Ricardo Boechat foi demitido após aparecer numa conversa grampeada. Num diálogo com um empresário, ele antecipava o teor de informações que publicaria no dia seguinte no jornal. O grampo foi divulgado pela Veja.

Jornalistas fazendo jogo duplo fere de morte a credibilidade da imprensa. Certamente não é caso isolado. O que torna escandaloso o ocorrido com a entrevista da Record é o fato de envolver nada menos que o presidente da República. Até onde sei, é a primeira vez que algo assim acontece. A demissão sumária era a única alternativa à emissora.