Quatro dias se passaram desde que a Polícia Federal revelou uma série de nomes que foram monitorados ilegalmente pela chamada Abin paralela, esquema de espionagem forjado no governo Bolsonaro. A atuação da Agência Brasileira de Inteligência foi desvirtuada para perseguir adversários do ex-presidente. Dois pesos-pesados da política vigiados pelos criminosos são alagoanos – Renan Calheiros e Arthur Lira. 

O senador Renan Calheiros ficou indignado. Soltou os cachorros nas redes sociais e avisou que tomará medidas legais contra os autores da ação clandestina. Ele se manifestou horas depois de a notícia vir a público. Nada mais natural. Estranha é a posição de Lira, que ocupa nada menos que a presidência da Câmara dos Deputados – um dos poderes da República. Até esta segunda-feira, passados quatro dias, reitero, o parlamentar segue em silêncio. Em Brasília, o estranhamento é geral.

Eu falei em estranha posição, mas a postura do alagoano tem uma explicação tão singela quanto problemática. Criticar o caso é melindrar o bolsonarismo, e Arthur Lira faz uma escolha política. Entre protestar contra um ato criminoso evidente e evitar conflito com próceres da ultradireita, ele prefere a segunda opção. O motivo é a disputa pela presidência da Câmara. Ao menos quatro nomes estão na área.

O atual presidente joga seu futuro na sucessão para sua cadeira. Lira tenta emplacar como sucessor o deputado Elmar Nascimento, do União da Brasil da Bahia. Para isso, o apoio de Bolsonaro e sua bancada é essencial. Daí que bater na Abin paralela deixaria essa turma irritada, ameaçando a costura para a eleição. Recados estão na praça.

Não é a melhor postura de um líder do Legislativo, mas é o cálculo do pragmatismo na cabeça do parlamentar. A omissão, no entanto, pode cobrar um preço também perigoso para o chefe do PP. Afinal, o escândalo da Abin paralela não é qualquer coisa, tendo vasculhado a vida até de ministros do STF, jornalistas e outros parlamentares.

As provas reveladas pela PF atestam o que já era claro havia muito tempo. Pelo que se sabe, a espionagem ilegal começou ainda no primeiro ano do governo Bolsonaro. É mais um dos crimes pelos quais o ex-presidente será julgado no Supremo. O silêncio de Arthur Lira gera perplexidade e faz um tremendo barulho nos quatro cantos da República.