Vários consensos vão se consolidando por esses tempos de comunicação instantânea, via internet. E ainda bem que muita gente preocupada e com interesse guiado pela ciência vai deslindando o que nos parece, ao senso comum, inexplicável. 

Como exemplo: o movimento antivacina, que foi fatal para milhares de pessoas em todo o mundo durante a mais recente – e não última – pandemia de grande escala. Uma das maiores conquistas da história da Humanidade, as vacinas existem desde o final do século 18, quando o britânico Edward Jenner descobriu o primeiro imunizante – contra a varíola humana.

Imagino que o leitor e a leitora já estejam fartos do tema, pela abundância com que ele ocupou espaços generosos, ao longo de anos, em todas as formas existentes de comunicação humana. Mas a questão é: como e por que isso aconteceu, a resistência à vacina, com profissionais de saúde até mesmo respeitados pelo seu desempenho profissional?

Uma explicação básica, e longe de ser a única, é a de que não somos os seres racionais que imaginamos: as emoções, e as preferências políticas estão nesse pacote, continuam nos governando, como sempre fizeram desde os nossos ancestrais das cavernas.

O psicólogo evolucionista mais conhecido e festejado do planeta, Steven Pinker, que esteve recentemente no Brasil, deu mais uma dica preciosa, que há de nos parecer óbvia: o ser humano tende a crer naquilo em que quer acreditar. É como se vivêssemos permanentemente o tão mencionado “viés de confirmação”. O que ganha mais importância nos tempos de agora, em que o “tribalismo político”, assim definido por Pinker, se estabeleceu pesadamente. 

Detalhe: isso se tornou uma contradição na era da internet. Afinal, nunca tivemos tanta diversidade nos pensamentos que circulam pela rede. Só que, com a ajuda dos algoritmos, fincamos a bandeira no nosso território, de onde não haveremos de sair nem permitir que nenhum estranho ao grupo venha se intrometer. E se o fizer, há de ser eliminado.

Claro que isso tem uma compensação: a aprovação do grupo – ou tribo – em que se está e no qual você é há de se sentir um privilegiado do conhecimento, alguns degraus acima dos demais agrupamentos humanos. Ao que parece, isso faz parte do que se usa chamar de natureza humana, com a velha dificuldade que temos de pensar por nós mesmos - o que exige energia e trabalho -, o que se soma à permanente necessidade de aprovação. 

Vejam só: Arthur Schopenhauer viveu num tempo, entre os séculos 18 e 19, em que ninguém sonhava usufruir dos meios de comunicação modernos. E ele já dizia que “não há uma só opinião, por absurda que seja, que as pessoas não tornem sua com facilidade, tão logo tenham sido convencidas de que ela é geralmente aceita”.

A questão é: por quem?

Imagino que seja pela gente do próprio mundo - e quanto mais, melhor. O problema maior, e bem sabemos disso, é quando essa tribo toma proporções significativas numa mesma população. Os exemplos históricos estão aí, com seu paroxismo na Alemanha. Ainda persiste nos dias de hoje o debate sobre a culpa – ou não – do povo alemão pelas atrocidades nazistas. Até que ponto o engodo sobre a superioridade racial pregada por Hitler e asseclas já não morava na alma germânica?

Enxerga-se, frequentemente, uma imensa massa ignorante e crédula a seguir um líder louco movido apenas pelo ódio – e não é nada disso. Magda, esposa de Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda nazista, era uma aristocrata poliglota, que já havia sido casada com um megaempresário alemão (que ainda ficou mais rico e poderoso durante o reinado de Hitler). Com o ricaço, Magda teve um filho, Harald, o único a sobreviver à guerra e que foi oficial da Luftwaffe, a temida força aérea alemã. 

O desfecho trágico escolhido por ela é algo até hoje impactante: assim como o marido, símbolo do nazismo, resolveu se suicidar e levar com ela os seis filhos do casal, no mesmo bunker em que Hitler também se matou: todos menores, que não tiveram direito a escolha. Justificou o ato insano argumentando que os filhos seriam perseguidos se permanecessem vivos, por “vingança”.

Não duvido que assim fosse, mas na carta que deixou para Harald, ela não manifestou qualquer arrependimento ou remorso pelos feitos sangrentos do nazismo.  A culpa seria do futuro:

- No mundo que virá depois do Führer e do nacional-socialismo não valerá a pena viver, e é por isso que eu trouxe as crianças para cá também. Elas são boas demais para a vida que virá depois de nós, e um Deus misericordioso me entenderá quando eu mesma lhes der a libertação.

Alguns poderiam até dizer que ela morreu por um ideal. Eu prefiro entender que foi por uma crença que vitimou dezenas de milhões de pessoas em todo o planeta.

Acho que o primeiro passo para evitar novos eventos catastróficos no planeta, os provocados por nós mesmos, é aprender a pensar - uma arte movida sempre pela dúvida, diria o mesmo Pinker e seus iguais. Sei que nunca haveremos de aceitar que somos e podemos ser da mesma tribo, mas que pelo menos cheguemos à conclusão, um dia, de que o diferente não é pior do que nós e também merece um lugar sob o Sol.