O Brasil deve ter a Constituição mais emendada do mundo. Todo dia você recebe a notícia de que uma PEC tramita no Congresso Nacional. Uma Proposta de Emenda Constitucional deveria ser algo muito raro. Afinal trata-se da lei maior, a Carta Magna. Algum respeito tem de merecer, não pode ficar recebendo remendos a cada amanhecer no Planalto Central. Mas é o que ocorre por iniciativa de deputados e senadores.

O que já é ruim quando se trata de ideia legítima fica pior quando o casuísmo está na origem de uma PEC. Exemplos estão por todos os lados, políticos e partidos. Em abril, o senador Rodrigo Pacheco desengavetou a PEC que torna crime a posse e o porte de qualquer droga. Foi uma reação ao STF, que decidira o contrário, descriminalizando quantidade mínima de maconha. O gesto do Senado é uma aberração.

Na outra Casa, a Câmara acaba de aprovar uma PEC para anistiar todos os partidos que descumpriram lei e decisões do STF sobre cotas para pretos, pardos e mulheres. Nas últimas eleições, as legendas fraudaram as regras de distribuição do fundo eleitoral para candidaturas contempladas pelas normas estabelecidas. Outra ação casuística, além de indecente. O Senado ainda vai analisar a decisão dos deputados – e deve confirmar.

Embora com tramitação mais complexa do que um Projeto de Lei, desde sua promulgação em 1988, a atual Constituição recebeu 114 emendas até o ano passado, segundo o site Poder 360. Uma média de três PECs a cada ano. Com 230 anos de vigência, a Constituição americana recebeu 27 emendas. Sem forçar comparações entre culturas particulares, é uma diferença brutal que não pode ser vista com naturalidade.   

Até o ano passado havia nada menos que 997 PECs em tramitação nas duas Casas do Congresso. Isso mesmo, quase mil iniciativas para alterar o principal código do país. Definitivamente não é algo próximo do bom senso. Desse total, 360 mexem com a regulamentação da administração pública. 181 propostas querem mudar as finanças públicas e o orçamento. Outras 124 miram o sistema político, partidário e eleitoral.

A sanha reformista só não avacalha porque uma PEC não altera cláusulas pétreas – que tratam da separação dos poderes, do voto direto e dos direitos fundamentais. Vez por outra volta o debate sobre uma Constituinte, para uma nova Carta. A ideia nunca embalou. Mas, daqui a pouco, de tanto retalhar o texto de 88, periga o país acordar um dia e descobrir que não resta nenhum artigo original na “Constituição Cidadã”.