O conjunto de revelações sobre a Abin paralela mostra que Jair Bolsonaro comandava um governo clandestino. Durante praticamente quatro anos, a Agência Brasileira de Inteligência agiu como um serviço secreto para servir aos interesses particulares do presidente e sua família. É tão amplo o alcance do trabalho de arapongas que é difícil dimensionar tudo o que aprontaram. Mas vamos tentar alguma aproximação.
De um lado, o esquema servia ao projeto político e, ao mesmo tempo, atuava para proteger os Bolsonaro em suas encrencas com a Justiça. Assim que assumiu, o “mito” tinha como meta a perpetuação no poder. Daí começa a guerra com o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral. Por isso a decisão de vasculhar a vida de ministros como Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Mas não apenas eles.
Luiz Fux e Dias Toffoli também foram alvos do monitoramento ilegal. Mas nas conversas gravadas entre os investigados fica claro que o inimigo maior era Moraes. Um policial federal e um militar presos nesta quinta-feira chegaram a especular sobre um “tiro na cabeça” do Xandão. Ele atraiu o ódio de Bolsonaro a partir de 2019, quando o STF abriu o inquérito das fake news, o das milícias digitais e o dos atos antidemocráticos.
Mores é o relator dos três casos – e ao longo dos anos tomou decisões que contrariaram Bolsonaro e sua turma. A missão dos serviçais instalados na Abin paralela seria a produção de dossiês contra os magistrados. Eles tentaram, por exemplo, vincular Moraes a um policial civil acusado de crimes. Os diálogos encontrados pela PF não deixam dúvidas quanto aos métodos da quadrilha instalada dentro do governo.
Na seara política, os criminosos falam em descobrir “os podres” dos deputados Kim Kataguiri e Arthur Lira, presidente da Câmara. A CPI da Covid fez com que o governo agisse para seguir os passos dos senadores Renan Calheiros, Alessandro Vieira, Omar Azis e Randolfe Rodrigues. Em outra frente, foram monitorados jornalistas como Mônica Bergamo, da Folha, e Vera Magalhães, de O Globo, entre outros.
A ação clandestina também monitorou servidores do Ibama e da Receita. Nos dois casos, o interesse era constranger agentes públicos envolvidos em investigações sobre crimes cometidos por Bolsonaro e seus filhos. Como disse, a atuação era ampla e irrestrita. Tudo sob a coordenação de Alexandre Ramagem, o então chefe da Abin.
A gang de Bolsonaro lembra o famigerado SNI, o Serviço Nacional de Informações criado pela ditadura instalada em 1964. A pretexto de municiar o governo de dados sobre o país, o troço passou a agir como braço da política de perseguição e tortura dos adversários do regime. O SNI foi extinto no governo do presidente Fernando Collor.
Repaginado como Agência de Inteligência, a essência do negócio não mudou muito. Ninguém sabe ao certo para que serve de fato essa estrutura. O melhor que Lula teria a fazer seria acabar com a tal agência. É um órgão com um mal de origem, imune a correções de conduta. Não combina com a plenitude de princípios democráticos.