O senador Renan Calheiros e o deputado Arthur Lira foram monitorados ilegalmente pela Abin paralela no governo Jair Bolsonaro. Segundo o inquérito da Polícia Federal, a Agência Brasileira de Inteligência se transformou num instrumento de espionagem de nomes que despertavam alguma desconfiança de Bolsonaro. As novidades foram divulgadas hoje pela operação Última Milha, quarta etapa da investigação do caso.

Nesta quinta-feira, a PF prendeu quatro pessoas, entre elas um policial federal e um policial militar. Há mandados de prisão contra sete alvos. Todos os envolvidos atuavam sob as ordens de Alexandre Ramagem, que chefiava a Abin e agia como serviçal para assuntos clandestinos do então presidente. Delegado da PF, Ramagem se elegeu deputado e é pré-candidato a prefeito do Rio de Janeiro. A candidatura foi decisão pessoal de Bolsonaro. Tem mais escândalo a explicar do que propostas.

O esquema clandestino para espionar autoridades começou em 2019 e durou até 2022. O objetivo era encontrar qualquer coisa que pudesse constranger figuras que, por alguma razão, eram consideradas um problema para o governo. A partir do monitoramento, os criminosos fabricavam dossiês que serviriam como instrumento de chantagem e divulgação de denúncias falsas. É coisa de organização criminosa.

Vejam a gravidade. O atual presidente de um dos poderes da República, Arthur Lira, estava entre os que tiveram a vida bisbilhotada. Rodrigo Maia, que presidiu a Câmara antes do alagoano, também foi vítima da bandalheira. A Abin paralela monitorou ministros do STF, parlamentares, servidores da Receita e jornalistas. Hoje em dia, Eduardo Bolsonaro vive dizendo que a PF trabalha para Lula e Alexandre de Moraes. Acusa os outros pelos crimes que pratica. Uma velha tática sempre renovada.

Esse caso revela que para Bolsonaro todo mundo é inimigo. Arthur Lira foi um aliado perfeito para o então presidente. Os dois se entenderam como amigos de infância. Mesmo assim, pelas costas, Bolsonaro vasculhava a rotina do deputado. Nada como ter na coleira aliados com eventuais encrencas que não podem vir a público. Era o raciocínio da quadrilha. Lira deve estar decepcionado com as revelações da PF.

Já Renan Calheiros “deu motivos” para o ódio de Bolsonaro. Ao longo dos quatro anos do governo do “mito”, o senador foi um adversário que incomodou em vários episódios. O momento que mais irritou Bolsonaro foi na CPI da Covid, que teve o alagoano como relator. A postura do parlamentar bateu de frente com o negacionismo dos aloprados que tentaram sabotar a vacinação dos brasileiros. A CPI enfrentou o governo da morte.

Arapongagem. Monitoramento ilegal e clandestino. Fabricação de dossiês contra autoridades da República. Cooptação de delegados e agentes federais para atividades criminosas. A coleção de barbaridades no desgoverno Bolsonaro é uma antologia a ser estudada e destrinchada pelas próximas décadas. Um período de retrocessos que pretendia levar o país a um buraco sem volta. As evidências não param de surgir.