Quando o Plano Real completou dez anos, a data passou quase sem notícia. Ao chegar a duas décadas, houve mais atenção ao fato histórico, mas nada com alarde. Aí chegamos a 2024. Parece que uma conjugação de fatores astrais despertou todo mundo sobre a relevância de, agora sim, finalmente uma comemoração à altura. E faz sentido. Porque é o aniversário de uma revolução que elevou o Brasil a um patamar inédito.

Em toda a grande imprensa, há séries de reportagens, com a devida profundidade, a memória de um processo complexo e inovador, além de análises e entrevistas com personagens da construção do plano. Não se trata de oba-oba com jornalismo de efeméride. O país deve mesmo lembrar do significado e do alcance dessa engenharia econômica que mudou a vida dos brasileiros. Controlar a inflação parecia impossível.

Durante a década de 80 até 1994, a população convivia com reajuste de preços numa velocidade escandalosa. Aumento todo mês, toda semana, todo dia – até chegarmos ao abismo de mais de uma remarcação num mesmo dia. Um preço pela manhã e, horas mais tarde, antes do anoitecer, o produto estava mais caro. A maquininha que pregava as etiquetas da carestia não parava com aquele barulho que atormentava o povo.

A galera na casa dos trinta anos de idade, a turma que não tem essa memória, quem escapou da bagaceira, enfim, diz que “não consegue entender” como o país poderia viver com uma realidade como aquela. Pois é. Mas era assim. O salário recebido no começo do mês derretia em poucos dias. A correção monetária – que corrigia todos os preços, tarifas e salários – era uma armadilha fatal. Caímos na inflação inercial.

É conversa para economês, mas, de modo rasteiro, a ideia é que chegamos a uma situação quase sem cura. Tudo aumentava o tempo todo, e a forma de “compensar” as perdas era aplicar o índice da inflação para todos os negócios – contratos, salários, aluguéis, serviços etc. O governo Itamar Franco buscava um jeito enfrentar – e vencer – o monstro. Os planos anteriores, com congelamento de preços, fracassaram.

Com um time de economistas quase todos da PUC do Rio, o governo anunciou o novo plano. Primeiro houve a URV, uma moeda virtual. Até que num primeiro de julho como hoje, a nova moeda entrou em circulação. Era o Real. E lá se vão 30 anos que o Brasil se acostumou a viver de modo civilizado ao menos quando o assunto é inflação no controle. Não é algo trivial. Uma moeda estável é padrão civilizatório a ser celebrado.

Muitos querem entrar no livro dos pais do Real. Não é obra de uma pessoa apenas. Pérsio Arida, Gustavo Franco, André Lara Rezende, Edmar Bacha e Pedro Malan estão entre eles. No Ministério da Fazenda de Itamar, FHC diz que esse time era a “massa crítica” pronta para levar a ideia adiante. E foi o que aconteceu. O Brasil merece o Real.

Um pouco de política. O Real garantiu a eleição de FHC em 94, três meses após a criação do plano. Garantiu ainda sua reeleição em 1998. Ganhou as duas eleições de Lula no primeiro turno. Quando Lula ganhou de José Serra em 2002, o país vivia uma grave crise, o que tinha ofuscado as conquistas do Real. O PSDB se assustou e passou a desprezar sua grande conquista. Foi uma reação imediatista, de olho no curto prazo.

Isso se repetiu na eleição de 2006, quando Geraldo Alckmin foi candidato dos tucanos, e Lula se reelegeu. Na eleição de 2010, a coisa foi ainda mais maluca. De novo candidato, Serra chegou a usar Lula no guia eleitoral da TV para defender o Bolsa Família e as conquistas do petismo. Para dizer que faria igual. E apagou o Plano Real da história de seu partido. Uma das maiores loucuras em campanha eleitoral que já vi. Dilma venceu. 

Paradoxalmente, agora que o país celebra os 30 anos do Real em níveis retumbantes, parece tarde para o tucanato reivindicar a glória por esta inovação histórica. E não há nada de errado com isso. Problema do PSDB ao cometer um erro mortal de avaliação. O Real não pertence a um partido político. A moeda brasileira, este signo de padrão social com dignidade, é um patrimônio do Brasil. E assim deve ser tratado por todos nós.