Aos que me criticam mais duramente por não estar em nenhuma das redes sociais, o que me tiraria o “lugar de fala”, respondo em tom de blague, embora com convicção:

- Não preciso morar num hospício para saber o que é a loucura.

Entretanto, esclareço, já recebo a minha carga diária de mau humor, via internet, em boa parte dos comentários encaminhados a este espaço. Aprendi, e já faz um bom tempo, a não levá-los a sério e, ato contínuo, a remetê-los à lata de lixo virtual. Cá para nós, é impressionante a fúria, sincera ou treinada, com que parte das pessoas que acompanham o blog grita nos teclados (bem menos aos domingos. Ufa!).

Nas redes sociais, creiam, não se odeia apenas cenoura,  doce de coco, ou outros alimentos menos ofensivos (?). Pois bem: se curte o ódio do político, do artista, da emissora de TV, do jornalista e de tudo o mais que aparecer à frente do internauta, que não gosta mesmo é da própria existência, do jeito em que ela se dá e da qual não tem clareza de como fugir – com vida, certo?

Estar fora desse ambiente, pelo menos o não profissional, é cuidar, assim creio, da minha saúde psicológica/mental. Não é receita de bem-viver, isso não foi inventado ainda, mas pode sim me tirar do palco da “guerra de todos contra todos”, como preconizava Thomas Hobbes, em Leviatã. Esclareço, desde já, especialmente para algum iracundo de plantão que estiver lendo estas mal traçadas linhas domingueiras: sou um pacifista juramentado e não creio em ditadura de nenhuma espécie.

Mas eis que o mundo virtual vai se transformando e/ou ganhando novos enredos não menos impressionantes. Recentemente, com grande repercussão na mídia profissional, que vai renunciando à racionalidade em busca da popularidade perdida, vi o relato de uma jovem, bastante jovem, que está “morrendo” de câncer terminal. A quebra da invisibilidade social se dá pelo prenúncio de uma tragédia.

Ela tem mais de um milhão de seguidores na sua rede social e se encarrega de contar sua rotina, assim diz a notícia, aos que se interessam pelo seu drama. Desconfio que não há muito de altruísmo ou de empatia nos seus supostos admiradores (as), mas uma velha e persistente curiosidade mórbida que a nossa espécie carrega e, ao que parece, com algum prazer. 

Já se disse, e se repetiu bastante, que há uma tendência nos humanos de se sentirem mais aliviados, até recompensados, quando se deparam com tragédias das quais estão livres – pelo menos no momento visualizado. É verdade que a solidariedade “não se aprende no colégio”, parafraseando Noel Rosa, mas o reconhecimento desse sentimento, mesquinho e primário, em nós mesmos, pode nos ajudar a expurgá-lo da nossa alma.

Não gosto, por aprendizado, da sentença convicta de que “todo mundo é assim”, pelo simples fato de que acredito que cada um pode mudar a si próprio, se o conhecimento adquirido nos levar a um avanço no autoconhecimento.

Uma expressão idiomática alemã define bem esse prazer que se sente com a dor alheia - shadenfreude, cuja tradução mais simples é esta mesma: alegria de um pelo infortúnio do outro. Admito que isso possa vir a ser universal e admissível numa situação específica: o futebol, esse espetáculo, que é um misto de tragédia e comédia, a que destino ainda um bom tempo de atenção (que não considero desperdiçado).

E confesso publicamente: o maior adversário nessa seara de dor e prazer que tive ao longo de décadas da minha já longeva existência foi o palmeirense Fredão, meu amigo da vida toda, ausente/presente desde 2018. Recordo dele com o permanente afeto que lhe dediquei, especial e raro, por ser da mais genuína amizade. Não poderia, até porque nos conhecíamos tão bem e ele não me permitiria a mentira, negar o quanto de  prazer eu tinha ao ver seu Palmeiras seguindo ladeira abaixo.

Por esses estranhos tempos de agora, seria ele a gozar com o meu “Florminense”. Justo, muito justo.

Saudades, amigo.