O maior desafio para o jornalismo nos dias atuais talvez seja a revitalização da grande reportagem. Uma combinação de fatores desidratou a essência do exercício da imprensa. Embora se possa apontar mais de uma causa para essa decadência, a encrenca pode ser resumida na ascensão das chamadas mídias digitais – realidade definitiva e sem volta, é claro. Mundo afora, radiografias e previsões são desalentadoras.

Uma jornalista que dirigiu a sucursal da Veja no Paraná escreveu, um dia desses, que o jornalismo acabou naquele estado. A opinião é corrente. Milhares de jornais fecharam as portas em todos os países. No Brasil, em todos os estados, deu-se o mesmo. Alguns simplesmente acabaram de vez. Os maiores decidiram manter redações com o jornalismo online. Mas a migração se deu com drástica redução de pessoal.

Há o aspecto econômico. As receitas de publicidade despencaram com a pulverização das verbas a contemplar os meios virtuais. Como já abordei aqui, multidões afirmam que se informam exclusivamente pelas redes sociais. Mas tem jornalismo nas redes? Outro debate dos tempos digitais. Nesse balaio caótico, ninguém sabe ao certo quem produz e quem publica informações – que parecem nascer do nada, sem nenhum critério.

A histeria do clique e a ânsia para estar conectado se combinam com a pressa. Ninguém tem tempo para ler mais de dois parágrafos – dizem os entendidos no marketing de influencer. E aqui chegamos a mais uma variável que explica o estado de coma da reportagem. Mas não há outro jeito de reportar uma boa história senão com um texto de fôlego, para muito além do registro superficial e imediatista.

No Youtube há vários canais com nomes consagrados da imprensa tradicional. Chico Pinheiro, Heloísa Villela, Cristina Serra, Xico Sá e Rodrigo Viana fazem parte do ICL Notícias. É um time de craques na reportagem. Mas no ICL eles viraram comentadores da grande imprensa. O mesmo vale para a revista Oeste de Augusto Nunes. E também para o Brasil 247, O Antagonista e até a Jovem Pan. É falatório sem reportagem.       

Citei um número reduzidíssimo desse tipo de espaço jornalístico no YouTube. São incontáveis. Todos com a mesma receita. Um bando de profissionais ao redor de uma mesa, falando das pautas da ordem do dia. É o que fazem também a Globonews e a CNN. Parece debate sobre futebol, com gritaria à base de chutes e achismos. Apuração, checagem, redação e edição, com amplitude e contextualização dos fatos, nada.

Do jeito que vão as coisas, suspeito que a geração Z nem sequer ouviu falar em grande reportagem. Jornalismo para muita gente deve ser vídeo lacrador no TikTok. Imagino que encarar um texto da Piauí deve parecer coisa de geração calcificada na era analógica. Uma coisa embala a outra e assim prosperam os interesses da plutocracia do metaverso.

Na trajetória deste dinossauro, coordenei mais de uma equipe de grandes repórteres nas maiores redações de Alagoas. Aprendi um bocado com todas e todos. A construção de uma reportagem especial é como tramar uma arquitetura, um conto, um ensaio, uma investigação sobre um mistério que precisa ser trazido à luz do sol.

Zero de saudosismo, porque o tempo é hoje. O jornalismo mudou para sempre, como nunca se viu desde a invenção da imprensa. Opinião, análise, debate. Hologramas, inteligência artificial. Os meios e as formas estão aí. Para cada situação, uma via. O que não mudou foi o coração do quarto poder: a reportagem é nosso oxigênio.