Parece que todos querem que Joe Biden desista de ser candidato na eleição americana marcada para 5 de novembro. Não é de hoje que o presidente dos Estados Unidos dá mostras de que tem sérias dificuldades de exercer o cargo para o qual pretende se reeleger. Após o debate com Donald Trump na noite de quinta-feira, a situação bateu o nível mais grave. Até os democratas pedem que ele renuncie à candidatura.

Aos 81 anos, o homem mais poderoso do mundo tropeça nas solenidades, solta frases sem sentido, confunde nomes e datas e se expõe a vexames. Mais de uma vez, chegou a cair em público, para desespero de seguranças e assessores. Um dia depois do debate, o The New York Times pediu em editorial que ele saia da disputa. Companheiros de jornada querem o mesmo. Ele se nega a ouvir essas opiniões e segue adiante. Ainda.

É uma questão delicada. Ainda mais nos dias de hoje em que o etarismo está em debate no embalo do respeito aos direitos humanos. Ser velho não é sinônimo de incapacidade e, portanto, ninguém pode ser discriminado pela longevidade. Mas tem um porém. Quando alguém se mostra claramente com dificuldade para as tarefas mais simples, o que fazer? Biden é confiável no comando de um país? Como traçar limites?

O dilema não se resume ao campo da política, é claro. No mundo da arte, é algo também presente nos dias de hoje. Em entrevista recente ao Roda Viva, o cantor Sidney Magal falou sobre a hora de parar. Em suas palavras, os últimos anos de vida da cantora Elza Soares foram “lamentáveis”. A artista gravou discos e se apresentou em shows nos quais estava clara sua enorme dificuldade para cantar. Constrangedor. Magal está certo.

Nos últimos meses, Milton Nascimento também fez aparições públicas igualmente constrangedoras. O cara parece fora do ar, com um fiapo de voz, sem domínio sobre os movimentos do corpo. Os responsáveis por esses episódios alegam que se trata de homenagem. O problema é que o resultado acaba sendo o oposto. Submete-se um gênio a situações deploráveis. Por que é tão duro admitir que não dá mais?

Fernanda Montenegro está nos filmes Piedade, de Cláudio Assis, e A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, de Karim Ainouz. Duas obras dos últimos anos. Nos dois trabalhos, as limitações da atriz são visíveis. Fica a impressão de que as cenas precisaram driblar a dificuldade física para viabilizar as personagens. Para mim, o desconforto foi imediato.

Poderia lembrar aqui de muitos outros nomes. Jô Soares, por exemplo, esticou a corda além do possível na Globo. As entrevistas eram um sofrimento transmitido para grande audiência em todo o país. Aliás, o chamado mundo do showbiz não sabe como lidar com essa incômoda realidade. Sobriedade e bom senso precisam ocupar os palcos.  

Os heróis que não morreram de overdose ficaram velhinhos. E isso tem consequências incontornáveis. Haverá o dia em que, por dignidade, a decisão a ser tomada é pendurar as chuteiras. Vale para o espetáculo, vale para a política. Veja o exemplo de FHC, que escolheu se preservar. Por isso o drama de Joe Biden fala tanto para todo mundo.