As voltas que o mundo dá. Em mais de uma passagem em seu Diários da Presidência, Fernando Henrique Cardoso bate duro em Lula. Chega a reclamar do caráter do petista e profetiza que o PT “nunca vai chegar ao poder”. Para ele, “o populismo barato” do adversário só não era pior do que o comportamento “petulante e impostor” de Ciro Gomes. Os diários foram publicados em quatro volumes entre 2015 e 2019.

Lula também não economizou ataques ao rival ao longo da extensa convivência entre ambos. Em 1997, disse que o então presidente “não ouve o grito dos milhões de excluídos”, mas ouve “o cochicho dos banqueiros e dos deputados que cobram 200 mil dólares para aprovar a reeleição”. Os dois trocaram caneladas desde o começo dos anos 80. “Neoliberal” para um, e “atrasado” para outro foram os termos mais suaves.

Apesar das diferenças, nunca houve um rompimento definitivo entre ambos. Também passaram longe da ignomínia de um capitão desqualificado que lamentou a ditadura não ter assassinado FHC e mais 30 mil. O petista e o tucano mantiveram as coisas dentro das regras no jogo político. Nas últimas décadas, dividiram o protagonismo na vida brasileira e, cada um a seu tempo, chegaram à Presidência com respeito às instituições.

Após a eleição de Lula em 2002, FHC teve uma postura de estadista, reconhecida por todos. Também nos Diários, ele conta que o presidente eleito informou a ele alguns dos nomes escolhidos para o futuro ministério – antes de tornar públicas as escolhas. O presidente que deixava o cargo agiu junto à comunidade internacional para “acalmar” o temor que um líder de esquerda ainda poderia representar. Lula reconhece isso.

E chegamos a 2024, nestes tempos de retrocesso e ideias medievais que infestam o Brasil e o mundo. De volta ao Planalto, numa tremenda reviravolta na história recente do país, Lula se encontrou com FHC nesta segunda-feira 24. A foto acima registra a reunião que os dois tiveram. O ex-presidente fez 93 anos de idade. O Plano Real, que ele comandou como ministro da Fazenda, completa três décadas.

É uma imagem emblemática o encontro de agora. Adversários na maior parte da trajetória de ambos, estiveram juntos em horas decisivas, como no combate à ditadura, nas Diretas Já e na defesa da democracia, ameaçada em pleno século 21. A “renovação política” dos últimos anos celebra o obscurantismo, a vulgaridade e a violência. Lula e FHC simbolizam o contrário: o Brasil do diálogo e da civilidade.