Toda patota é autoritária. Não importam os motivos e as circunstâncias que levam à formação de um grupo, perto da minha turma (se eu tivesse uma), não tem pra ninguém. Quanto mais adesão à tribo, mais sectarismo, maior cegueira frente à diversidade do mundo ao redor. É uma contradição nos termos a crença de que há liberdade e rebeldia numa reunião de almas que só estão juntas porque obedecem à mesma cartilha.
Essa verdade incômoda se explica pelo desejo de integração, de ser aceito num clubinho. Hoje em dia se fala “pertencimento”. Ao reproduzir o que todos fazem e dizem, o passaporte está liberado. No coletivo, as diferenças se apagam sob a doce reverência a comportamentos decretados por outros. O paradoxo de discursar pluralismo e renunciar à individualidade é cláusula pétrea na filosofia da vida em “comunidades alternativas”.
Pense em qualquer aglomerado. A igreja do rock, os seguidores do budismo, os amantes do montanhismo, as filhas de Maria, a congregação do nirvana sexual, o clube dos nudistas, a associação de orquidófilos. O leitor pode ampliar a lista para todos os lados e tendências. O que une todos num mesmo buraco é a submissão a valores e princípios fincados no puro autoritarismo. Uma ideia dissonante, e haverá retaliação.
Nossa tendência ao arrastão da massa, em todos os sentidos e níveis sociais, é sólida construção cultural. O gado não é apenas bolsonarista. Nunca foi. Crer numa causa supostamente virtuosa – o que já é problemático – não torna saudáveis vias obscuras de conduta. Em nome de seu rosário dogmático, cada grupelho se vê como “especial”, formado por escolhidos, iluminados, moralmente superiores.
A aderência incondicional a uma manada combina fidelidade aos iguais e baixíssima capacidade crítica. Seu parceiro de seita é uma maravilha de outro planeta, inimputável por antecipação – ainda que cometa barbaridades, será sempre um inocente. Submeter-se à tirania da tribo é condenar sumariamente a vilania do outro lado, mas acolher a pior das vigarices do lado de cá. Na defesa dos nossos, relativizamos até o abjeto.
Escolhas iguais: o tipo de cinema, de música, de literatura – exemplos simplórios, mas simbólicos desse apego ao tribalismo mais tosco. Na mesma linha está a reprodução de um repertório verbal que gira em torno de si mesmo, realimentando ideias que, embora com piruetas e afetações, não saem do lugar. E, claro, todos na mesma “aventura” da celebração do que se pretende particular, mas é apenas o triunfo da futilidade.
Na essência, não há diferença entre as multidões que reverenciam um Pablo Marçal e modernosos que se ajoelham para Taylor Swift ou para qualquer idiota que aperta botões em espetáculos de música eletrônica. Em comum, o transe que controla a massa coisificada e derrete o indivíduo. É a expressão plena do exercício de poder de um eleito sobre suas ovelhas obedientes. A dominação mais crua pelo caminho do diversionismo.
Tudo isso vale para patotas, empresas, partidos, religiões, cidades e nações. Em 2014, o jogador uruguaio Luís Suárez foi banido da Copa no Brasil após cravar os dentes no pescoço de um adversário. Expulso da competição, na volta para seu país foi recebido como herói, com o povo nas ruas em sua defesa. Até o presidente José Mujica foi solidário ao atleta, como se o rapaz fosse uma vítima – mas era o contrário!
Por que a postura convictamente errada diante de fato incontroverso? É assim: para nossa turma, tudo. Mesmo abraçados ao absurdo e na contramão da realidade.