As armadilhas para o jornalismo estão em cada esquina. Não falo da apuração apressada ou da confusão entre fato principal e aspectos secundários. Também não me refiro à abordagem superficial e às lacunas de enredo na descrição do acontecimento. Poderia lembrar do pouco apreço à clareza, esse dogma inafastável numa reportagem digna de tal classificação. Esses são pecados inerentes ao texto médio na imprensa.

Aí estão, digamos assim, armadilhas metodicamente preparadas pelo próprio redator. São minas espalhadas ao longo do escrito levado ao grande público. Sem o devido domínio dos requisitos obrigatórios ao jornalismo, temos a autossabotagem do jornalista. E aqui vemos, portanto, emboscadas contra o leitor. Desprotegido no vendaval de notícias e insanidades em geral, o leitorado é vítima de estelionato jornalístico.  

Afora os perigos intramuros, há todo um conjunto de armadilhas externas a desafiar a chamada cobertura da imprensa em determinadas situações. O calendário é uma encruzilhada cheia de ameaças incontornáveis. Ao longo do ano, as redações precisam encarar o Carnaval, a Semana Santa, o São João, O Natal e o Ano Novo. As eleições são bienais com o mesmo tipo de encrenca. Como criar textos originais sobre tudo isso?

Existem os feriadões, as datas oficiais e o aniversário de capitais. Nos meus tempos de TV Gazeta, participei de mais de um debate com editores locais e da Globo sobre a produção de material que não fosse a pura repetição de mais do mesmo. Suponho que ainda seja assim. Sírio de Nazaré, Dia das Mães, dos Pais, dos Namorados, de Finados, da Padroeira, da Independência, da Consciência Negra. Como turbinar a pauta eterna?

Situação delicada são as efemérides. Aqui, o que é problema vira solução fácil para o jornalismo preguiçoso. Vejam este 2024. 30 anos do tetra. 30 anos da morte de Ayrton Senna. 80 anos de Chico Buarque. 20 anos da morte de Brizola. 30 anos do Plano Real. Acabo de ver na Globo reportagem sobre os 25 anos de Central do Brasil, o equivocado filme de Walter Salles. Qualquer aniversário resolve a falta de ideias na produção.

Nas datas festivas, a televisão nos brinda com os repórteres participativos. É show! A turma experimenta as “comidinhas típicas”, cai no forró ou no frevo, se fantasia a caráter, dialoga com Papai Noel e “se emociona” ao lado de fiéis nas procissões para qualquer santo. É assim desde a invenção da TV, mas tudo nos é apresentado como se fosse a primeira vez. Mas vamos reconhecer: não é moleza inovar sobre a acachapante tradição.

“As recomendações para quem vai pegar a estrada no feriadão” são um clássico imbatível. Essa construção é piada entre editores pelo Brasil. Achando pouco, a galera avança em marmotas como o dia da pizza, da vovó, da cachaça, do abraço, do rock. Rende “grandes reportagens”. O jornalista não tem como escapar desse amontoado de armadilhas. Há demanda. E aí você vai junto na aventura sem volta de suicídio coletivo.