Como é sua relação com o computador? Essa estranha pergunta, para os dias de hoje, era recorrente nas entrevistas com escritores entre os anos 80 e começo dos 90. Lygia Fagundes Teles, João Ubaldo Ribeiro e Fernando Sabino, entre outros, tiveram de elaborar reflexões sobre algo que parecia uma grande questão na vida contemporânea. Alguns respondiam com evidente desprezo pela novidade que estava chegando.
Havia certo lamento em algumas respostas. Poetas e prosadores chegavam a dizer que não se acostumariam jamais com a geringonça tecnológica. Nada substitui o batuque transcendental na máquina de escrever, diziam os mais fanáticos. Autores enviavam seus originais datilografados para as editoras, mesmo com o mundo já informatizado. A idiossincrasia obrigava a editora a manter um funcionário para digitar a obra.
Casos assim não narrados em várias entrevistas do Roda viva, da TV Cultura, disponíveis no YouTube. O conjunto dos programas é um tesouro para se verificar a materialização daquilo que se chama de o espírito de um tempo. Foi ontem. Tudo está tão perto e, ao mesmo tempo, assistimos a um desfile de ideias tão dissociadas da realidade agora que parece coisa de outro planeta. Pensamentos levados num vendaval sem volta.
Um dos momentos mais desconcertantes do Roda Viva é o embate entre Paulo Maluf e medalhões da imprensa sobre cigarro e fumantes. Matinas Suzuki Jr., mediador em 1995, detona o então prefeito por um decreto que proibia fumar em ambientes fechados, como restaurantes. Matinas chega a dizer que fumantes são pessoas mais interessantes do que aquelas que não fumam. É ou não é coisa de outro planeta?
Veja que maravilha de ironia. Maluf estava certo, é claro, e São Paulo estava na vanguarda. Hoje o mundo inteiro veta o cigarro em tudo o que é lugar – e ninguém defende o direito de uma pessoa soprar baforadas na cara dos outros em locais fechados. Suponho que Matinas deve renegar uma das falas mais ridículas que se ouviu no meio daquela roda. Mas, naquele programa, quase todos ficaram contra o prefeito.
Respeito às mulheres? Na entrevista de Millôr Fernandes, em 1989, Ruy Castro se sente à vontade para fazer a seguinte pergunta: “Você diria hoje aquela frase sua segundo a qual o melhor movimento feminino é o dos quadris?”. Riso geral na roda. Ao propor a questão, Ruy não disfarça a intenção cafajeste num risinho de quem se acha provocador. Ou algo assim. Millôr diz que conhece grandes mulheres, mas ironiza as feministas.
São quase 40 anos de Roda Viva. Inúmeras outras entrevistas, com os nomes mais diversos, ilustram a hipótese que abordo aqui. Há todo um capítulo moldado em bate-boca, xingamentos e gritaria – sobretudo nas sabatinas com políticos. Brizola, Quércia, Collor e o já citado Maluf são alguns dos momentos históricos. E tudo capta uma época.
A estética da vestimenta dá um estudo à parte. Num mesmo dia há o repórter esmolambado, o descolado e o que pensa estar em Londres. Mais provincianismo não tem. Os modelitos masculinos são de lascar. Quando o cara se acha “avançado”, é derrota na certa. E os rapazes se esmeram no equívoco. A afetação segue até hoje.
De novo, não podemos esquecer o espírito do tempo. As ideias que dominam o pensamento geral de uma era. O programa também é uma boa janela para observar o nível dos nomes que estavam no topo da grande imprensa. O jornalismo em movimento. O melhor: Roda Viva é um acervo sobre a história de um país. No calor da hora.