Já tive muitos sonhos e várias ilusões. As últimas, espero, ficaram pelo caminho, por imprestáveis. Dos primeiros, a maioria se perdeu, ou porque pareceram inexequíveis ou porque foram trocados por outros, mais realizáveis.
Talvez seja esta a grande diferença que o tempo e a vivência me trouxeram: a de mirar aquilo que está mais perto, quase à mão. E olha que eu estou falando de coisas que o dinheiro não compra – respeito, afeto, amizade, algum conhecimento. Talvez por isso cada vez gosto mais e mais do que já tenho.
Digo aos leitores e leitoras, ainda que poucos sejam: ficar rico nunca habitou os mesmos sonhos nem o meu território das potenciais ilusões.
Nasci e cresci numa família de classe média. Meus pais eram funcionários públicos e trataram de garantir uma sobrevivência digna para a sua prole, ainda que isso lhes custasse algum sacrifício. Deles guardo aprendizado que valem para a vida inteira: é impossível ser feliz sozinho. Caridade, até sim, mas a justiça, social inclusive, deve ter prioridade entre outros valores a conquistar.
E eis que vejo a notícia de que os mais ricos estão cada vez mais ricos, segundo um estudo internacional da empresa Capgemeni publicado na semana passada. O maioral entre eles é Elon Musk, com uma fortuna de US$ 209,3 bilhões. Este é o personagem que, entre outras coisas, bateu no peito e afirmou: “Vamos dar golpe em quem quisermos”, apontando que o futuro de qualquer nação depende apenas da vontade dele e da sua turma.
É a expressão da arrogância e da prepotência que o dinheiro acumulado lhe garante, até porque ele se tornou um personagem inalcançável pela Justiça de qualquer país - a força da grana a escrever o destino de tantos, que há de depender do humor de alguns poucos.
É aqui que entra outro personagem, um homem do século XVI, que tratou de se eternizar, não pela riqueza que conquistou, mas pelo que nos legou como sua maior herança. Foi num de centenas de ensaios de Michel Montaigne que eu pesquei este ensinamento: “Não é a penúria, é antes a abundância que produz a avareza”. E se tantos conhecemos que carregam essa baixa qualidade humana, ele lembra Epicuro, para quem “ser rico não é alívio e sim mudança de dificuldades”.
Não é esta uma defesa da pobreza, seria pura bobagem ou hipocrisia, e até entendo que o suficiente para viver bem varia de pessoa para pessoa. Deduzo, porém, que definir como objetivo primeiro acumular dinheiro ou riqueza não me parece um uso dos melhores para a única existência que nós temos. Afinal, como diz o samba de Billy Blanco: Mais alto o coqueiro/ Maior é o tombo do coco/ Afinal todo mundo é igual/ Quando o tombo termina/ Com terra por cima na horizontal.
Isso, aliás, é o de menos importância quando nos deparamos com a impossibilidade de uma personagem como Musk, por exemplo, comprar afeto verdadeiro ou arrematar uma amizade no mercado das melhores coisas humanas. Desconfio que ele leva para o travesseiro duas preocupações: como acumular mais e como não ser roubado por iguais.
Quanto a mim, poderiam dizer, e eu tomaria como elogio, que sou rico de pena e bico. Um chiste com um punhado de verdade. Até porque foram bico e pena - de pouca valia, eu sei - que garantiram e garantem a minha sobrevivência ao longo da vida adulta.

Ricardo Mota