Zapeando a esmo pelos canais de TV, abertos e por assinatura, você encontra de tudo. A geração Z e outras patotas que se consideram muito modernas não têm mais aparelho de televisão em casa. É o que dizem por aí. Mas não é sobre isso que quero escrever agora. Voltemos ao mundo televisivo – esse fascinante meio de comunicação que redefiniu a vida a partir da metade do século passado. O espetáculo ainda está no ar.

Há décadas, as redes passaram a vender espaços para a exibição de programas evangélicos. É uma praga. As igrejas cresceram tanto que criaram seus próprios canais. O segmento segue em alta. A única a não entrar no ramo dos pastores é a TV Globo. Na emissora da família Marinho, foi o catolicismo que ganhou um horário para exibir a Santa Missa. Até hoje, todo domingo, às seis da matina, lá está o padre dizendo amém.

Uma parada na TV Futura e começa o programa Pequenas Empresas, Grandes Negócios, exibido na Globo há dezenas de estações. A edição desta semana tratou do dia dos namorados. Na abertura, coraçõezinhos e “crônica” sobre o amor – para vender o negócio do empreendedorismo. Tudo em função do dinheiro – que é pra isso mesmo que serve historinha romântica de seres apaixonados. Amar é fazer caixa.

Há todo um segmento de canais cuja programação é reverenciar as fantasias da tecnologia. De criancinhas a velhotes de comunidades alternativas, todos querem geringonças para flutuar no metaverso. Aqui também os afetos estão encapsulados por invenções de plutocratas digitais. Curioso que se vendam na velha TV.

São muitos os canais com “os vídeos mais incríveis do mundo”. De novo, a jurássica TV em casamento com a internet. Qualquer pateta enrascado num acidente doméstico, gravado por um celular, entra para o ranking mundial. Há também uma vastidão de grupos em aventuras trilhas adentro e montanhas acima exibindo seus “perrengues”.

Tem programa sobre reformar a casa, construir a casa, destruir a casa, transportar a casa e qualquer outra “aventura” para uma guinada na vida. Grupinhos libertários aparecem na TV contando suas descobertas nas interações amorosas e intelectuais. Aliada aos prazeres coletivos está a “luta por um mundo melhor”.

No jornalismo, âncoras tentam passar a ideia de que sabem tudo, cada vez mais sob efeitos da harmonização facial. A reportagem está morrendo. O sucesso do Profissão Repórter, na Globo, é um erro de avaliação. Jovens sendo adestrados por Caco Barcelos. Luís Nassif chama aquilo de “escola de monstrinhos”. Não há definição mais precisa.

A TV é um colar de maravilhas, com sua capacidade de produzir – e exibir – artefatos de estranhamento, perplexidade e miséria. Uma dimensão dessa “máquina de fazer doido” está em Um Dia na Vida, documentário do grande Eduardo Coutinho, lançado em 2010. É a televisão exposta por suas próprias mazelas e contradições. Uma obra aberta.

Ainda não tenho certeza se a televisão me deixou burro, muito burro demais.