A foto acima é uma síntese de um país doente. Um juiz, no exercício do cargo, e um jornalista do maior grupo de comunicação do Brasil, em confraternização. Estamos em 2016, o ano do impeachment de Dilma Rousseff. Sergio Moro e Vladimir Netto. A dupla exibe exemplar de Lava Jato, livro com os “bastidores” da operação. Na verdade, é uma peça de propaganda, obra de subserviência do jornalismo àquela gang de Curitiba.

A partir de 2019, vieram a público os diálogos entre procuradores, juízes e jornalistas – e o lamaçal exposto desmoralizou os paladinos do “combate à corrupção”. Nas gravações da Vaza Jato, o repórter do Jornal Nacional surge na vexatória posição de assessor de Moro e Deltan Dallagnol. Vladimir Netto chegou a revisar uma nota da força-tarefa – que depois seria lida por ele mesmo no JN. Nunca se viu algo tão escandaloso.

No livro-homenagem aos “heróis” da moralidade, o repórter da Globo se rebaixa a um fraseado constrangedor. Diz, por exemplo, que Moro agia com “rigor e coragem”. Para o autor, o juiz parcial conduzia o processo “com maestria”. E garante que o magistrado “trabalha com afinco em busca de resultados”. Enquanto bajulava seu personagem, o dublê de biógrafo prestava consultoria secreta aos delinquentes da Lava Jato.  

Mas o livro alcança a licença poética ao elogiar o juiz como “excelente pai”. Sobre essa qualidade de chefe de família, Vladimir teve a coragem de escrever isto sobre seu biografado: “Trocava fraldas, acordava à noite quando a bebê chorava, e cuidava do umbigo da menina”. Eu nem preciso esculhambar. O autor faz isso melhor do que ninguém. Era essa a relação da imprensa com autoridades que devem ser fiscalizadas.

Esse clássico da literatura brasileira serviu de base para a série O Mecanismo, dirigida pelo problemático José Padilha para a Netflix. Mais tarde, o diretor viria confessar sua “decepção” com Moro e quadrilha. Outros decepcionados são Caetano Veloso, Thiago Lacerda, Marisa Monte e Marcelo Serrado, entre muitos. Os citados tiveram até reunião com Dallagnol no apê de Caetano. Vocação para a arte não é vacina contra cabeça oca.

A tramitação do tal PL da delação trouxe de volta, de novo, o discursinho repugnante das viúvas da Lava Jato. Toda vez que isso ocorre, lembro da antologia de crimes que autoridades cometeram contra o estado de direito, o devido processo legal e as regras da democracia. Sem contar as vantagens políticas e a fortuna que muitos amealharam. E tudo isso com a cumplicidade da grande imprensa – um vexame para a História.