O nome era Talk show. Hoje é Podcast. No Brasil, tudo começou quando Jô Soares trocou a Globo pelo SBT no crepúsculo dos anos 80 do século passado. Em 1988, o humorista passou a apresentar o Jô Onze e Meia – e mudou a história da TV brasileira. Foram 11 anos de entrevistas que, muitas vezes, chegaram a influenciar o debate em momentos de tensão política. Em 2000, ele volta à Globo e mantém o sucesso até 2016.
A tacada do SBT fez com que todas as demais emissoras buscassem o seu próprio talk show. Ao longo de mais de duas décadas, pipocaram programas com o consagrado formato – o apresentador atrás de uma mesa, o entrevistado numa poltrona, uma banda na trilha sonora e uma plateia no auditório. Na verdade, Jô não inventara o negócio. Adaptou para cá o que existia na TV americana desde o começo dos anos 1950.
De Marília Gabriela a Pedro Bial, passando por Danilo Gentili, vieram muitos nomes, e o tempo virou. A TV em decadência frente ao arrastão da internet viu seu potencial ser reduzido a um patamar quase inexpressivo. Ninguém mais conseguiu um espaço com o prestígio alcançado por Jô Soares. Nos últimos anos, o palavrório com anônimos e famosos se transferiu para o YouTube com a ascensão do onipresente podcast.
A cacofonia é o padrão. É impossível mapear em números e qualidade a dimensão desse tipo de entrevista. Algumas características predominam como regra por audiência fácil. Claro, o jogo da política encontrou solo fértil aqui. O que vale são os “cortes” com os momentos de lacração. Tão valiosas quanto as tretas “ideológicas” são as revelações no âmbito da vida sexual. Quanto mais bizarrice, mais sucesso e “joinha”. Um tédio.
Como o mundo virtual é infinito, com um pouco de paciência a gente acaba encontrando requinte, sobriedade, inteligência e profundidade. Tudo isso? Sim, e num só produto. Fico em apenas um caso: CONVERSAS COM HILDE, programa do Brasil 247 no YouTube, com a jornalista Hildegard Angel. Desde março de 2023, ela tem feito entrevistas valiosas para se entender lances históricos do Brasil – de ontem e do agora.
Não estamos diante de um mequetrefe bajulando subcelebridades, com histrionismo, gargalhadas e vulgaridades. Este é um programa com uma raridade: o entrevistado é o foco, obviamente, mas o magnetismo da entrevistadora é incontornável. Logo, sem esforço nem apelação, ela é uma atração permanente. Fgura lendária da imprensa, com uma história marcada pela tragédia, Hildegard esbanja conhecimento de causa.
Suas entrevistas nos trazem informações e ideias sempre instigantes para a reflexão. Em pouco mais de um ano, ela conversou com Lucélia Santos, Bete Mendes, Rosa Freire D’Aguiar, Carol Proner, Antônio Grassi, Técio Lins e Silva, Luiz Eduardo Soares, Fernanda Montenegro, Isabel Lustosa, Luiza Villaméa, Tuca Andrada, Kakay, Maria Thereza Goulart e muitos outros nomes. Todos com fortes histórias para contar.
As memórias de um país revistas com senso crítico e precisão. Esse talvez seja um bom resumo do projeto conduzido por uma grande mulher. O cenário é sua própria casa, capturado numa fotografia que também ajuda ao conjunto da obra. No diálogo com seus entrevistados, ela sabe o momento exato para uma ressalva, uma lembrança particular ou uma nova pergunta. É uma qualidade rara na zoadeira superficial da imprensa.
Filha de Zuzu Angel e irmã de Stuart Angel, vítimas da ditadura chefiada por vermes com patentes do generalato, Hildegard fez da história familiar sua causa de vida. Segue firme. No programa, descontração e elegância marcam as entrevistas. Porque ela é o oposto da futilidade, do exibicionismo, da afetação. Na rede, a conversa fiada e inútil corre à solta. Na algaravia, de repente, um podcast incomparável.