A expressão se tornou corriqueira nos últimos anos com a ascensão da extrema direita no Brasil. Muito além de Bolsonaro, a chamada “pauta de costumes” veio para ficar no debate nacional e na guerra pelo poder político. No período que antecedia a eleição de 2018, os apoiadores do futuro presidente se apresentavam como “liberais na economia e conservadores nos costumes”. A conversa serviu para muita piada. Mas é caso sério.
Um amplo conjunto de ideias cabe nessa geringonça mental. O fanatismo religioso de Michele Bolsonaro e o moralismo hipócrita de Deltan Dallagnol têm tudo a ver. A defesa de escolas militarizadas, a gritaria com a “saidinha” de presos e o negacionismo antivacina navegam o mesmo rumo. Para citar mais dois tópicos que mobilizam os patriotas: histeria sobre aborto e pregação apocalíptica na criminalização das drogas.
Tem o lado histriônico, é verdade, expresso nas manifestações oportunistas de um grupo de políticos que surfam na faixa reacionária. Gente como Damares Alves, Marcel van Hattem, Magno Malta e muitas outras tranqueiras perfilam nesse exército. Nem precisa falar da família Bolsonaro e todo o seu entorno ideológico. Na estratégia de atuação, a turma é pródiga em recorrer ao caricato para defender suas posições.
Uma invenção que entrou para a História é o já remoto “kit gay”. É uma das primeiras grandes fake news, antes mesmo desse termo se tornar corrente na loucura brasileira. A origem da farsa é o ano de 2010, quando o Ministério da Educação lançou um programa pedagógico de combate à homofobia. Pois Bolsonaro recorreu a essa mentira ululante na campanha eleitoral de 2018, quase uma década depois do projeto do MEC.
Mas toda essa novela está longe de ser apenas uma presepada na cabeça de gente com dificuldades cognitivas e de caráter duvidoso. É isso em parte. Na base da gritaria, estão valores morais, princípios de vida, uma visão de mundo. Por isso, não é uma insanidade efêmera, mas algo permanente e, pelo jeito, sempre mais forte. O perfil do Congresso que está aí confirma a inflexão definitiva. O debate será cada vez mais quente.
Para a extrema direita, não interessa falar de desigualdade, geração de emprego, assistência aos pobres – esses tópicos caros à esquerda. De Bolsonaro a Trump – e para além deles – bom é falar de “Deus, pátria e família”. É o jogo dentro de seus domínios.
Quando a esquerda briga por liberdade de gênero, antirracismo e descriminalização do aborto – causas necessárias –, joga o jogo na casa do inimigo. É uma armadilha. Os reacionários têm levado vantagem na “guerra cultural”. E a encrenca vai piorar.