"Todos temos Hitler dentro de nós, mas também temos amor e paz. Então, por que não dar uma chance para a paz?"

A frase acima é de John Lennon, numa das suas referências a um dos mais conhecidos assassinos da história da Humanidade. Para alguns pesquisadores, o ex-Beatle teria flertado com o nazismo no início da sua juventude, baseados em um desenho feito na época de colégio e que seria uma referência ao “cabinho” (Churchill) que comandou generais. 

Coisa de garoto irresponsável e lacrador?

Provavelmente, mas não podemos nos surpreender, ainda que devamos rejeitar com veemência, as menções e sugestões ao nazismo, em qualquer lugar do mundo. Como a mais recente, de Donald Trump, em uma rede social, em que ele defende o Reich Unificado - uma expressão consagrada pela turma de Adolf Hitler – nos EUA. Na Alemanha deu no que deu.

Mas, sim, temos vários grandes heróis, ainda que pouco celebrados, durante a Segunda Grande Guerra, que fizeram do humanismo a sua forma de resistência e manifestação corajosa durante um dos períodos mais sangrentos da história humana.

Vejamos algumas dessas histórias, que valem o registro.

Começo com o diplomata português Aristides de Souza Mendes, que era cônsul-geral - em Bordeaux, França - de Portugal, então dominado pela ditadura de Salazar, que não escondia sua simpatia pelo nazifascismo que grassava na Europa (ainda há manifestações nessa mesma linha, hoje, em vários países do continente europeu).

Contrariando as determinações expressas do tirano português, Souza Mendes distribuiu gratuitamente centenas de vistos de entrada em Portugal para judeus e outros refugiados que buscaram socorro no consulado. Sabe-se que entre 15 e 22 de junho de 1940, trabalhando incessantemente - três dias e três noites sem dormir -, emitiu um total de 1.575 vistos.

Claro, foi punido por isso, mas mesmo após as ordens do governo salazarista para retornar a Portugal, ainda conseguiu parar em Bayonne, cidade do seu país que faz fronteira com a Espanha, e assinou pessoalmente centenas de novos vistos para refugiados da guerra. Ao voltar a Lisboa, foi demitido e levado à pobreza juntamente com seus treze filhos.

Merecem, sim, um tanto da nossa atenção as ações do Papa João XXIII (Angelo Giuseppe Roncalli), durante o massacre nazista sobre os povos europeus, notadamente em relação aos judeus, com quem nem sempre a Igreja Católica manteve relações de respeito e solidariedade. Entre outras coisas, durante seu período na Turquia, impediu que centenas de crianças judias fossem embarcadas para a Alemanha, salvando-lhes a vida. 

Não foi o suficiente para ele, que indagou a si mesmo, várias vezes, se “não poderia, não deveria ter feito mais” e até ter “tomado a espada”.

(A filósofa judia Hannah Arendt , que escreveu um perfil de João XXIII, conta que ao ter uma audiência com Pio XII, antes de ser enviado para Paris, em 1944, ele ouviu deste que tinha “apenas sete minutos” para se manifestar. Respondeu de pronto: “Nesse caso os seis minutos restantes são supérfluos”.)

Bom, eis que chegamos ao enorme Guimarães Rosa, autor do mais fantástico – em minha opinião - romance brasileiro: Grande Sertão: veredas. O escritor brasileiro era também diplomata, e em junho de 1938 foi designado para ser vice-cônsul brasileiro em Hamburgo, na Alemanha. Também contrariando as orientações do Itamaraty, nas “circulares secretas”, de 1937, que visavam impedir a entrada de judeus no Brasil, Rosa fez valer suas convicções de homem solidário à dor humana.

Como consequência, passou cem dias detido em Baden- Baden, e só deixou a Alemanha em janeiro de 1942, quando o Brasil rompeu relações diplomáticas com os países do Eixo. Ao seu lado, com vontade e determinações próprias, a paraense Aracy, desde 1933 na Alemanha, que atuava no mesmo consulado brasileiro de Hamburgo.

Antes até dele, Aracy já havia se encarregado de ir de encontro às ordens do governo Vargas e emitiu dezenas de vistos de entrada no Brasil para judeus fugitivos dos nazistas, naquela quadra triste. Depois, veio a se casar com o genial escritor brasileiro. 

(Ela também escondeu, em sua casa no Rio de Janeiro, no final de 1968 e até fevereiro de 1969, o compositor Geraldo Vandré, procurado pela ditadura militar brasileira.)

Não bastasse, Rosa ainda deixaria ao encargo do seu filósofo Riobaldo Tatarana a definição mais perfeita sobre o que move todos os humanistas do planeta:

- O que demasia na gente é a força feia do sofrimento, própria, não é a qualidade do sofrente.