Deus é de direita – e está na moda. Essa afirmação descabida é o título de um texto publicado neste blog em 2017. Não é elegante citar a si próprio, mas cometo a extravagância para costurar, mais uma vez, ideias acerca de um tema sequestrado pelo pensamento ultrarreacionário. E há motivos de sobra para voltar à pauta. Nos últimos seis anos e meio, o que já era grave segue ladeira abaixo rumo à danação.
A exploração religiosa é um dos pilares da extrema direita – e do bolsonarismo em particular. A pregação teocrática de Michele está nos templos, nas casas legislativas e nos palanques de Bolsonaro. A picaretagem de Malafaia e assemelhados faz tabelinha com o falatório dos seguidores do “mito”. É lastimável que a fé – algo no campo da experiência íntima e profunda – sirva a mercadores da baixa política. Mas é o que temos.
Damares Alves, Marco Feliciano e outras tranqueiras continuam os mesmos. A novidade no calor da hora é a tragédia do Rio Grande do Sul. De repente – mas sem qualquer surpresa – almas penadas nas redes sociais começaram a atribuir o evento à fúria divina. Segundo esses pregadores da palavra do Senhor, os gaúchos estão sendo castigados porque Porto Alegre tem centenas de “terreiros de macumba”. A ira de Deus em ação.
A mensagem, é claro, faz sucesso nas redes sociais. Primeiro surgiram anônimos em busca de plateia. Depois foi um padre a exibir discriminação em estado bruto contra religiões de matriz africana. O cretino de batina espalha suas sandices durante uma missa. E a coisa ganhou a audiência de milhões na lixeira verborrágico de Pablo Marçal, o mitômano que precisa de focinheira. É o coach que sabe tudo sobre o capeta (foto).
E assim, fanatismo e intolerância religiosa se combinam na fabricação de fake news. Muito antes do que acontece agora no Sul, descobri o documentário Cavalo de Santo, dirigido por Mirian Fichtner e Carlos Caramez. O filme de 2021 trata justamente da religiosidade de origem africana no RS. É um capítulo pouco conhecido da história daquele estado. E é motivo de orgulho, e não o contrário, como insanos alardeiam.
A honestidade intelectual impõe uma última informação. O jornalista Enio Lins abordou esse tema em sua coluna (virtual e no papel) na Tribuna Independente. Com muito mais competência e erudição, seu texto percorre os séculos e chega à filosofia hindu. De quebra, vai de Epicuro a Platão, passando por Tales de Mileto. O sarrafo nas alturas.