O noticiário das últimas semanas foi tomado de assalto por ocorrências envolvendo o mesmo tipo de protagonista, com circunstâncias e ingredientes semelhantes. Os fatos têm repercussão nacional e aparecem com destaque em todos os meios – além de chacoalhar as redes sociais. São acidentes de trânsito. Mas, veja só, isso é tão comum no Brasil que a maioria dos casos nem aparece nas páginas da imprensa. 

Sim, aparecem notícias o tempo todo, mas nada que dê conta da tragédia que representa o número de acidentes nas vias e rodovias brasileiras. Segundo o Ministério da Saúde, são mais de 30 mil mortes a cada ano, média que quase estacionou de 2019 para cá. Era mais grave. Na década de 2000 eram mais de 50 mil óbitos anualmente. As causas são múltiplas, mas a principal está nas mãos que seguram o volante.

É o motorista o maior responsável pelas trombadas, batidas, engavetamentos, viradas e capotagens. As manobras arriscadas de ultrapassagem nas estradas têm tudo para resultar em catástrofe. As condições para o desastre se ampliam quando o piloto está com a mente alterada por produtos recreativos como álcool. A combinação letal está completa quando o condutor afunda o pé no acelerador até o máximo da insanidade.

Episódio peculiar é o acidente que envolve os carros de luxo e motoristas podres de rico. Mais uma vez, aqui está um conjunto de coisas que exige estudos de fôlego para dar conta. Assim na superfície, parece que estamos diante de uma ilustração da bandalheira moral de nossa “elite”. As máquinas que provocam mortes nas cidades são modelos de Ferrari, BMW, Porsche, Lamborghini e outros na casa até dos milhões de dólares.

Os dois últimos casos de repercussão apresentaram ao país um “empresário” de 24 anos de idade e um “influencer” consagrado na futilidade endinheirada como “dentista dos famosos”. O jovem estava numa casa de pôquer, sai tropeçando do local, ameaça bater na namorada e dispara a 180km/h. Sua opacidade existencial em alta velocidade acabou com a vida de um motorista de aplicativo. Por enquanto está na cadeia.

No outro acidente, temos uma subcelebridade com mais de um milhão de seguidores em alguma rede. A fama de anônimo cresceu com a lista de artistas que frequentam seu consultório odontológico. O galã é um desses “especialistas” em harmonização de gengivas e dentões. Com seu carango milionário estava num racha com outro ricaço. Bateram num mototaxista, e uma mulher, que era passageira, teve a perna amputada.

Vadios e suas aventuras a bordo de carrões. Como disse, é material para investigações científicas. Algo que se pode afirmar sem demora é que esses episódios confirmam tendências já verificadas de modo empírico. A cultura de machinhos histéricos, grana e poder é construção fatal. A indigência intelectual é compensada pela vulgaridade da ostentação. O desprezo pelo outro é regra. O carro de superluxo sintetiza essas mazelas.