Durante a pandemia de Covid-19, chegou-se a cogitar o adiamento das eleições municipais de 2020. Aquele foi o período de maior intensidade na tragédia que matou mais de 700 mil pessoas no país. Quando a ideia começou a circular, ninguém sabia como ficaria a gestão das prefeituras caso a votação não ocorresse. Apesar do quadro inédito com aquela calamidade, o calendário foi mantido e todos fomos às urnas.

Para manter o processo de escolha dos gestores municipais, foram adotadas medidas que evitassem situações propícias à contaminação de mais pessoas. As coligações cancelaram eventos festivos para a escolha de candidatos. A recomendação principal ali era escapar das aglomerações. Os mesmos cuidados foram seguidos nas campanhas partidárias – embora tenham sido registrados falhas e excessos pelo país.

A tragédia que se vê agora no Rio Grande do Sul traz de volta a proposta de suspensão das eleições marcadas para outubro. Naturalmente a medida atingiria as prefeituras daquele estado. A ideia foi sugerida pelo próprio governador Eduardo Leite em entrevista ao jornal O Globo. Segundo ele, é preciso “fazer o debate”, uma vez que junho é o mês das convenções para definição de candidaturas. Mas isso é bom mesmo?

Na sua conversa sempre enviesada, com ressalvas, idas e vindas, Leite se mostra simpático ao adiamento da votação. Além das razões de ordem logística, ele deixa escapar também que ainda nem teve tempo de pensar numa candidatura para a disputa em Porto Alegre. Para o tucano de raízes bolsonaristas, “trocas de governos municipais podem atrapalhar o processo de reconstrução”. É um raciocínio bem questionável.

Os trabalhos obrigatórios numa gestão pública, de qualquer natureza, devem continuar durante a transição de governos. É para isso que existem as instituições de Estado – que funcionam a despeito do CPF de quem está na cadeira de prefeito, governador ou presidente. No meio da situação excepcional, o que se deve fazer é antecipar medidas para garantir a normalidade do processo eleitoral, e não cair na armadilha do improviso.

A certeza de que teremos eleições nas datas previstas é um dos indicadores robustos da plenitude democrática. Não é uma festinha que se pode remarcar em função de conveniências particulares. Eduardo Leite, para não variar um centímetro de sua postura errática, aparece com novo exotismo – desta vez muito suspeito. É um perigo.