As relações entre imprensa e poder político formam um dos capítulos mais fascinantes da história brasileira. A coisa vem de longe. Em Insultos Impressos, a professora Isabel Lustosa resume os modos e as intrigas dos primeiros jornalistas no turbulento cenário que levaria à Independência. D. Pedro I é o mandachuva que inaugura, digamos assim, uma conexão destinada ao eterno tumulto. A imagem acima tem a ver com isso.

Antes de falar sobre o encontro entre Lula e Roberto Marinho, registrado no jornal O Globo, em 1992, mais duas obras sobre o caso entre imprensa, política e governos. Em Minha Razão de Viver, o lendário Samuel Wainer expõe a bagaceira que foi a convivência entre jornais e agentes do poder, com especial destaque para o Estado Novo de Getúlio Vargas. Com perdão pelo clichê, são episódios que parecem saídos de um filme.

Mais adiante, em Notícias do Planalto, Mario Sergio Conti apresenta um painel sobre as afinidades e a pancadaria entre Fernando Collor e o mundo da grande imprensa. No livro, é bom ressaltar, o autor preserva os donos do negócio. Embora rico em detalhes sobre redações e profissionais, os Civita, os Marinho e os Frias não são incomodados no livro. Nas poucas vezes em que foi questionado sobre esse detalhe, Conti reagiu agastado.

Numa conta arredondada, Roberto Marinho influenciou os governos brasileiros durante cerca de 50 anos. Teve linha direta com todos os presidentes, do golpe de 64 a Fernando Henrique Cardoso, já em plena democracia. Era consultado sobre a formação do ministério, chegando a impor seu nome preferido na Economia e na Comunicação. Um exemplo notório foi Antônio Carlos Magalhães, amigo íntimo do empresário.

O texto da reportagem sobre o encontro de Roberto Marinho e Lula, visto com os olhos de hoje, é inacreditável. Foi numa sexta-feira, 11 de setembro de 92. A crise que estava na pauta, claro, era a do governo Collor – que cairia dali a três meses e meio. Não é dito no texto, mas Lula foi a Marinho pedir apoio ao impeachment. Àquela altura, a imprensa já estava no embalo de uma denúncia por dia contra o então presidente.

O tom da conversa – a primeira entre os dois – é de camaradagem, descontração e piadas. Lula diz que “a pior coisa é duas pessoas não se gostarem, sem se conhecerem”. Roberto Marinho escracha: “Estamos aqui para lavagem de ideias. Pior seria se fosse para lavagem de dinheiro”. Era uma ironia com as notícias sobre o governo. O petista reclama do grupo Globo, e o empresário rebate reclamando do PT. Sempre com humor.

Foram três horas de conversa. A reportagem encerra com um veredito de Roberto Marinho: “Nosso encontro foi extraordinário. Sua vinda foi profícua para nós, para o PT e para o país”. As décadas seguintes desmentiriam cabalmente essas palavras. Basta lembrar a parceria entre Globo e Lava Jato, que resultou na queda de Dilma Rousseff e na prisão de Lula. Ninguém no PT duvida que a emissora foi, de novo, golpista.

Os tempos são outros. Mas essa relação – tão delicada e cheia de arestas – segue no centro da vida pública nacional. Os herdeiros da Globo mudaram os métodos, mas os princípios parecem intactos. Vale o mesmo para os outros gigantes da nossa imprensa. A novidade é a revolução digital com as redes sociais. De todo modo, o jornalismo mantém sua capacidade de influenciar – e bagunçar – os rumos de um governo. E de um país.