“É imoral a perspectiva de que a Braskem possa vir a ser autorizada a fazer aproveitamento econômico da área. É uma ofensa aos 60 mil maceioenses afetados pela tragédia, que tiveram de abandonar suas casas e deixar para trás todo o seu passado”. Eis um trecho do relatório final da CPI da Braskem, apresentado na quarta-feira 15 pelo senador Rogério Carvalho. E de qual imoralidade fala o relator da Comissão?

Em texto anterior escrevi a respeito. O parlamentar se refere ao acordo fechado entre a prefeitura da capital e a mineradora. No documento de 18 páginas, a gestão pública entrega os imóveis e toda a área desocupada ao controle absoluto da Braskem. Repito o que escrevi: o município vendeu parte da cidade em que vivemos, ao preço de 1 bilhão e 700 milhões de reais. A dinheirama vem caindo em parcelas em pleno ano eleitoral.

O relatório recomenda a “redefinição da propriedade da área afetada”. E acrescenta mais um argumento para essa medida: “Não é razoável que [a Braskem] detenha a propriedade daquilo que somente obteve em virtude de conduta criminosa”. Ainda sobre dar posse à Braskem do solo de Maceió, Rogério Carvalho escreve: “Trata-se do paradoxo do poluidor credor, algo inaceitável em nosso ordenamento jurídico”.

O texto defende que o Ministério Público (Estadual e Federal) “monitore” a aplicação dos recursos obtidos pelo prefeito João Henrique Caldas. Diz também que cabe ao Tribunal de Contas “avaliar os critérios de aquisição do Hospital da Cidade”. No ano passado, usando parte do valor recebido da Braskem, a prefeitura pagou 266 milhões de reais pela posse de uma unidade hospitalar. Uma transação misteriosa.

Por fim, ainda sobre a transferência do patrimônio público para a Braskem, o relator afirma ser necessário que a área desocupada “volte para a propriedade do município de Maceió”. Se depender do acerto firmado entre as partes, o assunto está encerrado. A prefeitura e a mineradora se comprometem a jamais contestar os termos do acordo – em qualquer foro, muito menos na Justiça. Uma cláusula estranhíssima.   

Há poucos dias, a Defensoria Pública de Alagoas pediu o sequestro dos imóveis da região afetada pelo desastre provocado pela Braskem. A ação foi rejeitada pela 3ª Vara da Justiça Federal. É uma guerra longe do fim. Desde 2018, quando começou o afundamento no Pinheiro, a Defensoria atua no lado certo da causa. Enquanto prefeitura e empresa negociam bilhões, defensores públicos brigam pelas vítimas do crime.

O relatório final da CPI tem mais de 600 páginas e atira para todos os lados. Defende o indiciamento de oito diretores da Braskem e aponta omissão de agências de controle e de órgãos como o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas. Mas uma categoria sai ilesa: nenhum político, com ou sem mandato, é citado nominalmente. A prevalecer o histórico de CPIs, minha expectativa é quase zero. Espero que esteja errado.