O bonde dos negacionistas da crise climática tomou um tranco diante da tragédia no Rio Grande do sul. O abalo foi aferido em pesquisa da Quaest, divulgada há poucos dias no Jornal da Globo. As enchentes têm ligação com as mudanças climáticas? Foi a principal pergunta levada a mais de duas mil pessoas de todo o Brasil. Para 64%, a resposta foi “sim, totalmente”. Outros 30% dizem que a influência existe, “em parte”.
Mais 5% acreditam haver “um pouco” de ligação entre as mudanças no clima e as enchentes. Apenas 1% dos ouvidos afirma não haver ligação nenhuma entre uma coisa e outra. Pode-se concluir, portanto, que praticamente todo mundo associa o desastre com fenômenos como o aquecimento global. É uma péssima notícia para a seita bolsonarista e para a extrema direita. O que significa o resultado da pesquisa no atual cenário?
Além da certeza factual exposta pelos dados, há um mistério que somente o decorrer dos dias poderá esclarecer. Mais adiante saberemos se a quase unanimidade decorre de um entendimento consolidado ou é fruto do trauma circunstancial. Ainda não se pode cravar que as pessoas mostraram uma consciência duradoura, baseada na confiança em informações produzidas pela ciência. Novos levantamentos vão esclarecer.
Fato é que este é um tema que veio vindo e estará cada vez mais na pauta brasileira. Muito diferente do que sempre se viu. Ao longo de décadas, tratou-se o meio ambiente como assunto secundário. Alguns pioneiros, como Chico Mendes, tiveram destino trágico, assassinados por defender a bandeira da preservação da natureza.
Na política partidária, figuras como Fernando Gabeira viveram a solidão de uma militância de vanguarda. Eram discriminados, vistos como defensores de ideias exóticas. Mas estavam certos. Denunciavam o desmatamento de florestas, a agressão de rios com a mineração, as ocupações desordenadas de encostas etc.
Hoje o mundo debate as calamidades provocadas pelas ações predatórias do planeta. Há uma corrida global para diminuir emissões de poluentes, eliminar os combustíveis fósseis, proteger rios e florestas, além de ações em tantas outras frentes. Por razões óbvias, o Brasil tem um papel decisivo nos rumos desse panorama.
Mas estamos numa guerra – também de ordem global. Porque a seca, a chuva, o calor e o frio foram politizados. Arrastadas ao parque de horrores ideológicos, questões sobre vida sustentável e respeito ao meio ambiente são atacadas com falácias e fanatismo. Rechaçar a emergência do clima é bandeira de reacionários mundo afora.
Enquanto sobe o número de mortes no RS, bandoleiros do bolsonarismo mentem na velocidade de enxurrada fora de controle. Por isso, a pesquisa Quaest é uma boa notícia, um sinal de que há chances de salvação. Mas, reitero, esse diagnóstico deve ser visto como tal, provisório e sob o impacto da tragédia. O clima é de guerra.