Desde que soube de alguns estudos de neurociência indicando que enriquecer o vocabulário faz bem à saúde do cérebro, descobrir uma nova palavra ganhou mais relevância para mim. É claro que já sinto os sinais da senescência, e ainda que eu a reconheça como inevitável, tento até enganá-la com balas e doces. Duram pouco, é verdade, mas por um instante deixam um gostinho de quero mais.  

(Antes de seguir, uma observação de leigo: a neurociência, assim me parece, abriu demais a sua porta para o mundo, escancarou-a, permitindo que demonstre intimidade com ela muita gente que mal sabe o seu nome. Uma turma que sai contando seus segredos como se dividisse a cama com ela todas as noites. Não me soa justo, mas essa é outra história.)  

Sem mais distração, vamos à nova palavra: agamia, que define pessoas que não querem uma relação estável, casar, ter filhos, nada disso. Seria, usando uma linguagem mais antiga, a vivência permanente da amizade colorida. Convenhamos que o termo é melhor, mais sofisticado ao menos, que os antigos “solteirão” e “solteirona”, que já nos parecem quase ofensivos.

A palavra, imagino, pode até ter algum parentesco com outra expressão já mais popularizada: não-binário. Diz-se de quem não se identifica nem com o gênero masculino nem com o feminino. Significa o que, então? O que o dono da palavra quiser, seja para se definir ou para não se definir.

Problema ou questionamento para mim? ZERO! “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é” (ainda que não saiba o que é). E se a minha visão de mim mesmo pode parecer um tanto conservadora, perdão, mas eu cresci lendo no dicionário apenas as palavras com as quais me deparava e que me provocavam curiosidade. Não fui criativo o suficiente para ampliar o mapa do batizado pai dos burros. Enfim, “o novo sempre vem”.

Há novidades, destaco, que caem no meu gosto rapidamente. É o caso de sapiossexual, que define quem se sente atraído (a) por pessoas inteligentes (espero que com bom humor). Mas confesso aos poucos leitores e poucas leitoras deste espaço que outras expressões, palavras, invenções linguísticas, me provocaram impactos maiores, com inegável estranhamento. Recordo-me da primeira vez em que ouvi, ao vivo, a expressão já de domínio público “todes” (flexão de todos e todas). Inicialmente, é claro, indaguei: 

- O que será que será? 

Na sequência, entendi e me aquietei. 

Leitor apaixonado do Rosa, pensei até que seria possível criar uma regra geral, para que outros não passassem vexame, como eu, ao escutar uma palavra nova, na mesma seara. Seria aprendê-la, a regra, e exercê-la. Seguindo o exemplo de “presidente” (presidenta já existia antes da Dilma, viu?), e no sentido contrário, para deixar claro, teríamos: cartomanto, cartomanta (para cartomante); estudanto e estudanta... êpa!  Claro, parei por aí para evitar mais brigas em um mundo já tão belicoso. É melhor deixar a língua dos homens seguir o rumo das águas, apressadas ou calmas. 

Os linguistas defendem que essas mudanças são normais e até necessárias, porque as línguas estão vivas e sedentas de novidades. Assim, criam-se novas palavras, mudam-se conceitos e definições. Alguns casos, é verdade, ainda demorei a assimilar.  Vejam só: eu sempre amei os cães e tive vários ao longo da minha vida de quase setentão. E daí, olhando pelo retrovisor, perguntei-me: Pirunga, o meu último afeto de quatro patas que morou na minha casa, não mais me aceitaria como seu dono? 
 
A resposta é não!

Eu seria o seu tutor e ela uma pet, uma espécie de lady do universo dos quadrúpedes. Resultado:  agora não vale mais a metáfora do “cão sem dono”,  consagrada até pela literatura mais erudita. Se quiser arriscar, experimente dizer que alguém é um(a) pet sem tutor. Não funciona. Pelo menos por enquanto, ficamos sem essa/esse. 

Um dia ainda recente, voltando da minha caminhada matinal, vi uma ninhada de gatos com a mãe a abraçá-los (como as mães abraçam maravilhosamente!), dentro de uma caixa de papelão. Uma cena pungente!  As pessoas iam parando e vendo aqueles animaizinhos ali, com olhares caridosos, quase que “tutoriais”, até que um homem de gestos decididos chegou ao local, pegou a caixa com as mãos e tratou de tirá-la dali. Viu o impacto que causou seu ato, mas explicou sobriamente, de forma direta e convicta:

 - Sou o responsável pela pet que pariu!

Não me alinhei aos olhares de perplexidade e reprovação. Essa lição eu já havia aprendido.