Aos 82 anos, Muniz Sodré segue na ativa, com pensamento afiado e ideias que convidam ao debate. Ele incomodou setores da esquerda com seu último livro, O Fascismo da Cor – Uma Radiografia do Racismo Nacional. O centro da discórdia é sua contestação ao conceito de “racismo estrutural”, que tem no hoje ministro Sílvio Almeida o principal teórico no Brasil. A obra do professor baiano rendeu réplicas e tréplicas.
Nenhum estudante de Jornalismo nos anos 80 escapou dos textos de Muniz Sodré. O Monopólio da Fala e A Comunicação do Grotesco foram debatidos nas aulas de Teoria da Comunicação e de Estética e Cultura de Massa. Em 1987 (não tenho certeza do ano exato), ele veio a Maceió para lançar Televisão e Psicanálise, um livreto que também foi leitura entre os futuros jornalistas. Fui ouvir sua palestra na Casa da Comunicação.
A Casa da Comunicação é a sede do Sindicato dos Jornalistas de Alagoas, à beira da Praia do Sobral e de frente para a implacável maresia. A palestra confirmou a qualidade do texto do autor. Sodré é um intelectual com alcance temático capaz de ligar ideias que vão da filosofia à mitologia do candomblé. No começo de sua exposição, no entanto, ele disse algo deselegante que nunca esqueci. Fez uma ironia que agradou à plateia.
Não lembro as palavras, mas a essência da coisa ficou intacta na memória. O professor fez um relato sobre a entrevista que dera, naquele mesmo dia, para uma jornalista da TV alagoana. Tratou a profissional como “uma mocinha” e menosprezou as perguntas que teve de responder. Foi algo do tipo “tive de levar a sério aquelas tolices”. A moral da história era mais ou menos a afirmação da academia sobre o nível raso da imprensa.
Por que isso agora? Lembrei desse episódio ao ver nesses dias ataques à imprensa – uma realidade já consagrada nos últimos anos. Como já escrevi no blog, o que não falta é gente decretando a morte do jornalismo. Com a internet primeiro, e depois com as redes sociais, a situação escalou patamares inéditos. Universidades pelo país fecharam os cursos de jornalismo, como ocorreu com o Cesmac aqui em Alagoas.
Voltando a Muniz Sodré – que também é jornalista –, sua postura naquele ano me lembra ainda outra situação. No curso de jornalismo da Ufal daqueles anos 80, o que mais tinha era professor atacando o ofício. Parece loucura, mas era assim mesmo. Aliás, nunca entendi por que não havia uma disciplina sobre a história da imprensa. Não seria óbvio? A impressão que tenho hoje é que ninguém ali abria as páginas de um jornal.
Bons tempos aqueles em que os “inimigos” da imprensa eram mestres e doutores diletantes. Ninguém imaginaria que, quatro décadas depois, teríamos de lidar com Trump, Bolsonaro, Elon Musk, Pablo Marçal e outros de mesmo calibre. É, o jornalismo velho de guerra, que sempre tomou pancada, nunca esteve tão à prova.