Com um estilo preciso e inconfundível, que rejeitava os excessos e primava pela objetividade na descrição de cenários, retrato das personagens, incluindo o cirúrgico realismo psicológico (como no caso de Angústia), o escritor alagoano Graciliano Ramos é – sem sombra de dúvidas – um dos pontos auges da nossa Literatura. 


 

Particularmente, são poucos os escritores brasileiros que eu colocaria ao lado de Ramos, dentre estes, Érico Veríssimo, Machado de Assis, Raquel de Queiroz e Otávio de Faria. 


 

Graciliano Ramos ainda se diferencia pela sua vasta obra, que não pode ser resumida em visões esquemáticas ou rótulos que, por mais certeiros em relação a este ou aquele aspecto deste ou daquele livro, não conseguem abraçar o todo. O Mestre Graça não foi apenas um regionalista, não pode ser resumido a um modernista etc. Seus escritos vão além, em especial os romances. 


 

O autor alagoano conseguia trazer para dentro do retrato de um particular contexto, como o dos retirantes em Vidas Secas, aspectos do drama universal; adentrava com maestria no realismo psicológico como fez em Angústia, abordava aspectos sociais como em São Bernardo, se aprofundava em memórias revelando a alma humana, como em Infância, Insônia e Memórias do Cárcere, enfim… A riqueza da obra de Graciliano Ramos nos remete à axiomática sentença da impossibilidade de resumir os gênios. 


 

Daí a necessidade de tanto falar sobre Graciliano Ramos sem nunca conseguir esgotar tudo o que possa ser dito...


 

Com a “chegada” de seus inúmeros escritos ao domínio público (deixado de lado toda a polêmica sobre a legislação e os direitos autorais), não é esperado apenas a republicação dos textos por diversas editoras por aí afora. Isso é o mínimo em razão do interesse comercial e mercadológico existente em tudo o que foi produzido pelo Mestre Graça. 


 

Por sinal, a editora Record – que detinha os direitos dos escritos – já fez isso, e deve continuar fazendo, muito bem. 


 

Tenho diversas edições da obra de Graciliano Ramos pela Record em minha biblioteca, incluindo a especial de aniversário de Vidas Secas, muito bem trabalhada e diagramada. Esta editora soube trabalhar com maestria com o que tinha em mãos. 


 

Todavia, o domínio público deve abrir uma discussão sobre a obra de Ramos que é – e sempre será! - essencial tanto para compreender escritos que não se esgotam em seus detalhes, quanto para arejar o cenário da Literatura e apontar para o futuro, inspirando jovens escritores nesta “arte-ofício” que transforma papel e tinta em um espetáculo: colocar a vida real, pulsante, diante dos nossos olhos por meio da ficção. Nada chega à realidade que antes não tenha sido exposto pela excelente Literatura, uma das razões pelas quais os clássicos são eternos. 


 

Então, em que pese compreender as razões dos herdeiros de Graciliano Ramos e até compartilhar, da forma mais sincera, com algumas de suas preocupações em relação ao domínio público; mesmo respeitando demasiadamente as mais recentes declarações do escritor Ricardo Ramos, não posso evitar um fato: como profundo admirador do Mestre Graça, sinto-me ansioso em relação ao que vem por aí por parte de algumas editoras, mas torcendo para que não se resumam a uma lógica editorial que parte de uma “vibe”, para simplesmente vender Graciliano Ramos no momento em que seu nome ecoa nos noticiários com a notícia do domínio público. 


 

É justamente neste momento que tudo que for produzido sobre Graciliano Ramos e sua obra cobra duas coisas: 1) fidelidade máxima ao autor e 2) reedição, ampliação e aprofundamento das chamadas “fortunas críticas”. 


 

Este é um trabalho – por exemplo – que a Penguin (selo da Companhia das Letras) já faz quanto aos clássicos que traz ao público, como podemos observar em suas edições de Flaubert, Goethe, Eça de Queiroz, Dostoiévski, Machado de Assis, dentre outros. Que haja este zelo para com o Mestre Graça…


 

O Clube da Literatura Clássica (CLC) – que é exclusivo para assinante (sou um destes e indico que o leitor também seja) – apresentou um projeto gráfico primoroso para abrigar Graciliano Ramos neste mês de janeiro, brindando o leitor com seus quatro romances: Caetés, Vidas Secas, São Bernardo e Angústia.


 

Mas, o grande destaque vai para o trabalho da Sétimo Selo com Vidas Secas e Angústia. Os textos de Graciliano Ramos chegam às livrarias com estudos maravilhosos de Álvaro Lins, Brito Broca, Franklin de Oliveira, José Carlos Zamboni, Lúcia Miguel Pereira, Luciana Stegagno Picchio, Otto Maria Carpeaux, Ronald Robson e Wilson Martins. 


 

Destes estudiosos citados, destaco três: 1) Otto Maria Carpeaux que – para mim – é o nosso maior crítico literário haja vista o História da Literatura Ocidental; 2) Wilson Martins. Observar o nome de Martins dentro da fortuna crítica é uma grata surpresa. Trata-se do jornalista que presentou o Brasil com obras memoráveis como História da Inteligência Brasileira e A Crítica Literária no Brasil; 3) por fim, o nome de Ronald Robson, um contemporâneo que foge ao óbvio, como já demonstrou no posfácio que escreveu para a Eneida, na tradução do professor Carlos Ascenso André (Sétimo Selo). 


 

Com a Graciliano Ramos em “domínio público”, minha esposa, que vive a indagar a razão pela qual compro várias edições da mesma obra, vai ter razão de sobra para reclamar da quantidade de edições de Ramos que devem chegar aqui em minha casa este ano. Mas, é por um bom motivo…. É o Mestre Graça… É o gênio inesgotável...