A fila  no caixa do supermercado  estava quilométrica, engarrafamento de gentes, tudo avexada, em vésperas de raiar um novo ano.

Eu a vi de longe. Um corpo negro , com roupas empobrecidas de uma menina, ainda na infância.

Trazia nas mãos um pacote de fraldas e me perguntou se podia passar na frente, disse que sim.

Ao chegar próximo ao caixa reparei no olhar, cruelmente observador , da trabalhadora branca para a menina. Olhava-a da cabeça aos pés, numa análise social, exclusiva para gente preta, pobre.

O olhar da moça branca  acompanhava a menina, como a expulsá-la do local. Olhava para o produto que ela tinha nas mãos e para os trocados que iriam pagar a mercadoria. Havia uma aspereza  tão visceral no olhar da moça e aquilo me incomodou muito.

Na hora de passar o produto da menina, a moça tratou-a como se nada fosse e a menina com uma caixinha de confeitos na mão pediu:- Veja se meu dinheiro dá para comprar essa caixinha, também.

A reação da caixa  branca foi de uma insipidez terrível e não ouvi respostas. Ao saber que o dinheiro era insuficiente para adquirir a segunda compra, a menina começou num choro lamentoso e perguntei  quanto era a tal caixinha:- Dois reais-respondeu a moça do supermercado.

Disse-lhe que entregasse a caixinha à  menina, que foi embora toda contente.

Depois de acertar as contas, saí de lá ,estranhamente, triste.

Sim, ainda, estamos sós.

Quantas lutas, ainda, temos que lutar?

E que o Ano seja Novo!