Maceió se tornou uma cidade partida, no sentido literal e metafórico, desde os tremores de terra que assustaram os moradores do Pinheiro, em 2018. Ao longo do tempo, outros bairros adjacentes foram sendo afetados: Bebedouro, Mutange, Bom Parto e uma área do Farol. Não se trata, porém, de um fenômeno natural. A causa do desastre em curso é a mineração do sal-gema, operada pela Braskem, desde os anos 1970.

As últimas semanas têm sido de apreensão e angústia, mas também de muita luta em busca de soluções. O governador Paulo Dantas e toda a sua equipe vem tratando a questão de forma prioritária e não mede esforços para assegurar o que for melhor para a nossa população. No Senado Federal, uma CPI vai começar a investigar a fundo o passado, o presente e o futuro desse que é a maior desastre ambiental urbano do mundo.

Mas eu gostaria de chamar a atenção para um aspecto ainda pouco discutido em meio à crise humanitária, que deslocou milhares de famílias dos seus lares, ruas e convívio: o impacto no segmento cultural. O patrimônio histórico e artístico das regiões afetadas contava muito do desenvolvimento de Maceió como cidade, com ruas, praças e prédios de valor inestimável.

Vocês já pararam para pensar o que isso representa? O Colégio Bom Conselho com sua capela, que juntos formavam o complexo arquitetônico do antigo asilo das órfãs; o palacete Vila Lilota, que abrigava a Casa de Saúde José Lopes; a Capela Matriz de Santo Antônio de Pádua e a Praça Lucena Maranhão, em Bebedouro.

A Igreja Batista do Pinheiro e a Paróquia do Menino Jesus de Praga, que tanto caracterizavam o bairro. A Igreja de Nossa Senhora do Bom Parto e a Vila Operária da Fábrica Alexandria. O campo do CSA, no Mutange. Eu poderia escrever vários artigos e nem assim daria conta de listar todas as nossas perdas, uma memória que vai se apagando, assim como a vida que aos poucos foi desaparecendo das ruas, dando lugar a cenários que mais parecem filmes de guerra.

Vidas que antes eram responsáveis por ofícios e modos de fazer que caracterizavam o entorno da Lagoa Mundaú, como a pesca artesanal, o trabalho das marisqueiras e das despinicadeiras de sururu. O mesmo povo que encenava folguedos como o Guerreiro e o Coco de Roda. Ou ainda os rituais religiosos, como as procissões dos santos padroeiros que atraíam um grande número de fiéis de outras regiões da nossa cidade.

Ao longo da sua evolução urbana, Maceió foi tomando forma e margeando a lagoa, trilhos da estrada de ferro e dos bondes; corridas de canoa que estimulavam os esportes náuticos; as festas de carnaval do Major Bonifácio; as quadrilhas juninas; as apresentações de violeiros e repentistas; os rituais e as danças da população de matriz africana. Práticas culturais diversificadas, que mostravam a vitalidade de uma população atuante.

A desocupação dos bairros, as ruas vazias e casas lacradas não afetaram somente a paisagem urbana e as relações sociais, com seus impactos econômicos e produtivos. O chamado "valor de apropriação do lugar" é irrecuperável, como atestam vários pesquisadores.

A vivência e a construção dos processos socioculturais se perdem, já que a cultura nada mais é do que a relação das pessoas com o seu tempo-espaço de convivência. Com tais relações rompidas e com a memória apagada, a identidade do lugar como referência se perde, já que as pessoas acabaram migrando, com suas histórias, saberes e fazeres, para outras regiões da cidade.

Todas essas perdas no setor cultural são consequências graves dessa tragédia há muito anunciada. São provas materiais e imateriais da destruição de parte da nossa história. Uma memória coletiva que se perde em tempos que exigem reflexão, cuidado e luta para encontrar soluções que atendam, principalmente, aos moradores das regiões atingidas. Todas as iniciativas e manifestações em defesa das vítimas do caso Braskem, devem ser apoiadas por todos nós, sobretudo alagoanos. Queremos respostas e soluções! Por justiça!