O afundamento de solo em Maceió devido à extração de sal-gema da Braskem ganhou destaque nacional após os recentes desdobramentos do caso, com a possibilidade do colapso iminente da Mina 18. 

O CadaMinuto conversou com moradores dos bairros afetados, que falaram um pouco sobre sobre os impactos psicológicos e traumas que estão enfrentando, e com uma psicóloga sobre as consequências emocionais deixadas pelo afundamento do solo e pelo possível colapso da Mina 18, em Maceió.

“E se colapsar e a gente não acordar mais?”

Ao CadaMinuto, a estudante de Relações Públicas Millene Almeida compartilhou como tem sido a rotina de morar no Bom Parto, com o possível colapso da Mina 18. Ela afirma que um dos maiores problemas é o isolamento do bairro, por se configurar como área de risco.

Millene diz que mora no Bom Parto desde que nasceu, mas que tem sido complicado o dia-a-dia no bairro: “Além de ser bastante perigoso por conta das desocupações, as opções de ônibus estão bastante limitadas”.

A estudante conta que, antes, só precisava pegar um ônibus para ir a faculdade, mas que, hoje, depende de dois para ir e dois para voltar. Ela alega que outra dificuldade é a demora do transporte coletivo: “São ônibus que só passam de hora em hora, ou seja, nem sempre consigo pegar”.

“Fico dependendo de carros por aplicativo, que também não funcionam aqui depois das 18h. Perguntei o motivo para alguns motoristas e eles relataram que para eles aparece como área de risco no aplicativo”, expõe.

Millene esclarece que, apesar do seu bairro ter sido incluído na área de risco, sua casa não foi inserida nesse mapa. “A sensação é de que ficamos ilhados e o que já está ruim vai ficar muito pior”. 

Ela diz que, mesmo se sentindo triste por ter que deixar sua casa e suas memórias, prefere sair logo e explica que toda a situação é bem exaustiva, porque os moradores não sabem o que esperar ou o que vai acontecer. 

“Passa mil coisas na sua cabeça. Quando estou na faculdade, penso na minha família que está em casa e quando estou em casa antes de dormir penso: e se colapsar e a gente não acordar mais?”, desabafa.

Por fim, Millene reforça que a indenização ainda é muito pouco para todos os danos que a Braskem causou: “São histórias, famílias, pessoas que passaram anos de suas vidas ali e, do dia pra noite, são obrigadas a deixarem tudo para trás, são obrigadas a mudarem a sua rotina, a se readaptarem e recomeçarem do zero, quase sempre sem o mínimo de assistência”.

“O sentimento é de angústia o tempo todo”

Uma ex-moradora de um dos bairros afetados, que optou por não ser identificada, compartilhou como está lidando com os recentes acontecimentos sobre o colapso da Mina 18. Ela explica que é como se estivesse voltando para 2018 e que, mesmo morando em um bairro distante, ainda sente medo do que vai acontecer.

“O sentimento é de angústia o tempo todo, tanto que prefiro silenciar as reportagens sobre o assunto para não despertar esse gatilho que eu já tinha superado”, revela.

Ela afirmou que quando chegou a primeira mensagem da Defesa Civil no seu celular sobre o possível colapso da Mina 18, não conseguia ficar calma em nenhum momento do dia e não conseguia dormir à noite.

“Antes de sair do Pinheiro, eu não conseguia dormir por várias noites, principalmente quando chovia. Toda noite era um pesadelo diferente, lembro de acordar no meio da noite chorando muito”, relembra.

A mulher relatou também o processo de saída do Pinheiro, após os primeiros indícios de afundamento, e como isso afeta a sua saúde mental até hoje.  Ela, que morava com a avó, conta que recebeu o selo de mudança em 2020, quando foi visitada pela Braskem.

“O sentimento foi de confusão porque do dia pra noite eu tive que viver em outro bairro completamente diferente e que não conhecia ninguém”, desabafou.

Ela relatou também que, na época, embora a Braskem tivesse disponibilizado acompanhamento psicológico, ela não conseguia parar para conversar com a assistente social ou com a psicóloga, pois havia muita coisa acontecendo com a mudança. 

Por fim, a ex-moradora contou que conseguiu ser menos afetada pela situação do que sua avó, que desenvolveu depressão.

“Ninguém precisa nem deve passar pelas dores da vida sozinho”

A psicóloga Natasha Taques afirmou que toda sociedade é vítima desse crime, porém nenhuma dor se compara com a enfrentada pelas famílias que foram diretamente afetadas. 

Natasha Taques/ Foto: Cortesia

“O luto de uma perda tão dolorosa ainda é vivido por muitas vítimas que não perderam apenas a casa estrutural e bens materiais, perderam o intangível, o lar, a história de vida expressa em cada construção, o ciclo de relações de uma vida, amizades e a liberdade. A própria paz foi retirada de forma abrupta e cruel”, lamenta.

A profissional esclarece que os impactos psicológicos vão variar de individuo para individuo. Ela argumenta que esse é um dos maiores desastres urbanos do Brasil e que o número de vítimas só vem aumentando. “Sair de seus lares sentindo a terra tremer não é algo que se esqueça”. 

Ela pontua que essa situação pode gerar estresse pós-traumático, ansiedade, crises de pânico entre outras patologias associadas ao estresse excessivo. Segundo Natasha, a incerteza em torno da situação da condição de moradia pode afetar a saúde mental das vítimas, pois a insegurança e o medo são fatores muito ansiogênicos. “O estresse recorrente pode ser precursor de diversos adoecimentos físicos e mentais, gatilho para transtornos psicológicos diversos”.

A profissional chama a atenção também para os males que a divulgação desenfreada de informações sobre o caso e seus desdobramentos pode causar à saúde mental das vítimas e à comunidade em geral. 

Natasha alega que o suporte psicológico para as vítimas é essencial, pois a saúde mental precisa ser observada e cuidada por profissionais capacitados, para minimizar os danos e ajudar na superação desse trauma. “Ninguém precisa nem deve passar pelas dores da vida sozinho”.

Por fim, a psicóloga salienta que a comunidade em geral pode desempenhar um papel crucial na mitigação dos impactos psicológicos causados às vítimas. Para ela, é importante “acolher não só física, mas também emocionalmente as vítimas. Não julgar a dor do outro, ser solidário e respeitoso com as vítimas”.

*Estagiária sob supervisão da editoria