Luh Souza, escreve:
Hoje, bem depois da hora do almoço, cismei que tinha de comprar um frango assado na padaria perto de casa. Me dei mil desculpas. A essa hora o frango assado já acabou. Tem mistura na geladeira. Já é tarde. Está muito quente na rua etc...
Aquela vozinha chata na cabeça, eu nem estava com vontade de comer frango assado. De repente fui. Quase 3 da tarde. Realmente, tinha vendido tudo. Já para dobrar na minha rua, voltei. Fui me xingando porque encasquetei com esse bendito frango.
Desci então ao bairro abaixo do meu e eu simplesmente detesto descer lá aos finais de semana e nas férias, pois é caminho de todo dia para o trabalho faz 20 anos. Tenho de passar por uma passarela fedida, acima da linha do trem.
Ao dobrar o alto da passarela, vi um rapaz bem vestido, jovem e com a cabeça entre as mãos. Só o ouvi dizer "E se o outro lado for também um inferno?"
Como sempre tem tentativa de suicídio ali, fiquei cismada, quis parar, mas segui caminho. O rapaz não saia da minha cabeça, meu coração doía e eu decidi que, na volta, se ele estivesse lá, pararia para conversar com ele.
Comprei o frango. Só tinha um mesmo. Voltei correndo e ele ainda estava lá. Parei. Perguntei se estava bem e ele só chorava. Chorava muito! Achei que não o conhecia, não conseguia ver seu rosto, até que ele disse entre soluços: "Minha querida e inesquecível professora de História... Minha vida acabou e eu não tenho mais nada." Era um ex-aluno meu.
Não vou entrar em detalhes sobre nosso longo diálogo, ele me contou as coisas que o afligiam e pude consolá-lo. No final, chegou um parente dele e eu fui embora, não sem antes lhe dar um abraço longo e ele me prometer que não seria hoje o dia de sua partida.
Não era o frango assado que eu tinha de comprar. Era uma vida, que só por hoje, espero ter conseguido salvar.