No mês em que se comemora o Dia Mundial Sem Tabaco, 31 de maio, o CadaMinuto ouviu o médico pneumologista Aldo Agra sobre um problema cada vez mais frequente: o uso indiscriminado do cigarro eletrônico, o popular vape, e a disseminação da informação – falsa, segundo o especialista – de que ele é menos prejudicial que o cigarro comum. A reportagem ouviu também usuários do vape e a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de Alagoas (Abrasel-AL), sobre o uso do objeto nesses locais.
“O cigarro eletrônico não é uma forma segura de fumar e também não é um tratamento para o tabagismo”, destacou o médico, logo de início. “Apesar de ter sido criado na década de 60, no início dos anos 2000, mais precisamente em 2003, os cigarros eletrônicos foram disseminados como uma espécie de ‘opção menos agressiva ao organismo’, o que não é verdade, já que além da nicotina existem na sua composição mais de duas mil substâncias, como a acroleína, que está associada a doença cardiovascular, e o formaldeído, que é cancerígeno. Muitas vezes ainda são adicionados ao vape produtos dericvados da maconha, como o tetrahidrocanabinol.
Ele prosseguiu lembrando que “nos anos 60, 70, fumar era sinônimo de masculinidade e charme. Para outros, fazer uso de cigarros era uma espécie de ‘atestado de maioridade’. Porém, com o passar do tempo, os malefícios da nicotina e das quase sete mil substâncias tóxicas que compõem os cigarros começaram a ser vistas como verdadeiras vilãs”.
Segundo o pneumologista, o cigarro eletrônico é um dispositivo que pode conter nicotina, que é o produto do tabaco responsável pela dependência química, e fazer uso do vape “não é uma forma segura de receber nicotina, nem de tratar dependentes do tabaco”.
Vape x Cigarro Comum
“A principal diferença é que o cigarro tradicional apresenta a queima do tabaco como forma de produzir sua fumaça, enquanto que o cigarro eletrônico produz o seu aerossol pelo aquecimento do líquido. Esse aerossol, muitos acham que é vapor de água, mas na verdade é uma combinação de mais de duas mil substâncias que o fumante inala e muitas delas não sabemos a consequência em longo prazo”, afirmou Aldo Agra.
O médico alertou que o cigarro eletrônico tem em sua composição substâncias cancerígenas e de outras subtâncias que estão associadas ao aumento de doenças respiratórias e cardiovasculares, e, apesar dessas substâncias poderem estar presentes em menor quantidade, é uma ilusão achar que por ter menor quantidade significa que há plena segurança em seu uso. Segundo ele, o cigarro eletrônico está associado a riscos adicionais como os riscos de explosão, com queimadura e fraturas de face, e de ingestão do líquido do vape, que é sempre colorido e aromatizado, podendo provocar intoxicação e morte de crianças, estando inclusive associado à tentativa de suicídio pela sua ingestão em adultos.
Epidemia
Para Aldo Agra, falar sobre impacto à saúde causado pelo uso do cigarro eletrônico é mais difícil pelo curto tempo de exposição da população, já que ele começou a ser comercializado somente em 2006, mas já existem algumas informações importantes.
“Em 2019 houve uma epidemia de casos de doenças respiratórias graves entre os usuários de cigarro eletrônico, associado a mortes e pacientes graves com necessidade de ventilação mecânica pelo seu uso, que recebeu o nome e lesão pulmonar induzida pelo cigarro eletrônico (no inglês EVALI)”, relatou o especialista, acrescentando que hoje existem ainda trabalhos que mostram a associação do cigarro eletrônico com a maior chance de ter um Acidente Vascular Cerebral (AVC) de forma precoce, assim como aumento do risco cardiovascular e de doenças respiratórias.
Sem regulamentação X Proibição
Apesar de todos esses riscos e do fato de “o cigarro eletrônico não pode ser vendido no Brasil”, como destaca o presidente da Abrasel Alagoas, Marcus Batalha, ainda não há regulamentação sobre o uso ou não de cigarros eletrônicos em bares e restaurantes, ficando a critério do empresário aceitar ou não que o cliente utilize o cigarro eletrônico no seu estabelecimento.
“Conforme resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a comercialização e importação desse tipo de cigarro não é permitida, logo, enquanto o governo não regulamentar não é possível fazer nenhum tipo de comparativo com as restrições já previstas em lei para uso de cigarros e produtos semelhantes, derivados do tabaco”, ccompletou.
O médico ouvido pela reportagem, no entanto, afirmou que existe sim lei proibindo o uso em ambiente fechado e citou documento do Instituto do Câncer a respeito:
“Vale ressaltar que a Anvisa partilha do entendimento de que os novos produtos, ou dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), são considerados produtos fumígenos e, portanto, estão abarcados pela Lei Nacional Antifumo, de modo que seu uso é proibido em recintos coletivos fechados.”
“De um vício para outro”
Ao CadaMinuto, uma policial militar, de 39 anos, que preferiu não se identificar, falou que usa o cigarro eletrônico há mais de três anos, com frequência diária e a cada vez que dá vontade de fumar. “Já fumei o cigarro comum e ainda fumo quando sinto vontade de fumar um cigarro ‘de verdade’".
A PM revelou que chegou ao cigarro eletrônico por meio de colegas que usavam e decidiu experimentar na esperança de deixar, aos poucos, o cigarro comum e reduzir o teor de nicotina do vape até parar de vez. O que não o ocorreu.
A “vantagem” do vape, segundo a militar “é poder fumar em lugares que o cigarro comum não é permitido, facilitando o convívio social, e o juice (mistura de nicotina e aromatizantes com um solvente) que não deixa o cheiro que o cigarro comum deixa”.
Quanto a ser mais ou menos prejudicial, a militar defendeu que há controvérsias nos estudos, porém, “por ser agradável e prazeroso, as pessoas costumam usar o vape em excesso e a quantidade de nicotina e outras substâncias também são ingeridas em excesso”. “Não acredito que passar o dia todo fazendo vapor com um teor alto de nicotina seja menos prejudicial que o cigarro comum. Inclusive vicia muito mais”.
Consciente dos prejuízos do cigarro eletrônico, a policial reconheceu que apesar de não ter as mais de quatro mil substâncias cancerígenas que o cigarro comum possui, o agravante é “não ter limite no uso, pois o cigarro comum, ao fumar, ele acaba, o vape, não. Não tem um limite que você coloque, por exemplo: fumei um cigarro e só fumo outro mais tarde. Você fica ali fazendo vapor a todo instante”.
“A diferença entre os dois tipos de cigarros é que no eletrônico não ocorre o processo de combustão que ocorre no cigarro comum”, prosseguiu a PM, reconhecendo que acredita que os dois são prejudiciais e a substituição não é interessante: “Só muda de um vício para outro. E outro que ainda carece de muitos estudos”, concluiu.
“Uso social”
Já Arthur Lopes, 19 anos, estudante de Nutrição, disse que há quatro anos fuma cigarro “comum” e que não enxerga “vantagens no cigarro eletrônico”, já que, segundo ele “é mais prejudicial pelo alto índice de radicais livres que atuam no organismo, o que o torna mais propenso ao vício por ser possível fumar em qualquer lugar a qualquer hora”.
O estudante, no entanto, diz que “faz uso social do vape” e não se considera usuário do produto.