Acordei na madrugada alta. Chovia a cântaros e o lençol foi instrumento de fuga para adormecer o corpo do frio que invadia o quarto.

As águas, feito enxurrada, desabavam com força e até dava pra ouvir a música áspera, produzida, pelo encontro das águas com o cimento duro, do chão do prédio.

A chuva  despertou, nessa ativista, a lembrança de Quitéria, a preta, em situação de rua  que faz mais de uma década tem o espaço público, como pousada possível do corpo e d’alma.

Encontrava com Quitéria, nas caminhadas diárias, entretanto, como estou em fase de recuperação de um tendão rompido, dei pausa, temporariamente, do exercício e faz bem uns 9 meses que não a vejo, e me invadiu a preocupação de onde ela estaria se abrigando na noite encharcada.

Quitéria a preta, alcoólatra é dona de conversas cheia de sabedoria dos mundos que habita.

Histórias cheias de verdade e encantamentos pela liberdade que respira nas ruas.

-Isso tudo é minha casa- afirmava abraçando os espaços vazios das cercanias

Em noites de chuva o álcool aquece a alma de Quitéria e ela se sente acompanhada

Na madrugada chuvosa embrulhada pelo frio acordei pensando em Quitéria  e na violência do etarismo para  a mulheres velhas, pretas,  e que vivem nas ruas.

A hierarquia das desigualdades.

Precisamos falar sobre racismo e etarismo.

Salve, Quitéria!