À véspera do maior momento carnavalesco de Alagoas, o desfile do bloco Pinto da Madrugada, depois de dois anos de interrupção em razão da maior tragédia humana contemporânea, a pandemia da Covid-19, o cientista social, humanista, ensaísta, jornalista e dramaturgo, Luiz Sávio de Almeida, professor da Universidade Federal de Alagoas e ex-Secretário de Estado da Educação, faleceu, deixando um legado inestimável para a cultura, a literatura e a ciência nordestina e brasileira. Pela sua irreverência e maneira leve como tratava a vida, até parece que escolheu o dia de sua passagem, para amenizar a dor dos mais próximos e comemorar sua longa trajetória nessas terras dos sem fim, nos termos de Jorge Amado, onde estão fincadas as raízes, a memória e os trabalhos de Sávio.
Não foram poucas as manifestações de pesar, todas elas reconhecendo aspectos e características da sua personalidade. O carinho e o respeito com Sávio de Almeida vinham das mais diversas pessoas. Nas redes sociais acompanhei a postagem de várias homenagens, com lindos textos, emocionantes relatos e muitos, mas muitos agradecimentos pelo que ele fez e falou por tantas pessoas, especialmente em nome daquelas que nasceram, viveram e sobrevivem na chamada Alagoas profunda.
Conheci Sávio de Almeida no início da década de 2010, portanto há bem menos tempo que muitos que conviveram e gozaram de sua amizade e companheirismo. Mas isso não foi um limitador para que eu pudesse sentir e me impressionar com sua capacidade de agregação, produção e instigação.
Fui conferir nossas trocas de mensagens. Fiquei impressionado com o volume delas e, principalmente, com seu conteúdo. Foi, então, que me conectei completamente às dezenas de manifestações que marcaram sua passagem. Em cada palavra, frase ou parágrafo que meus olhos fitavam nas redes sociais, de onde brotavam belas homenagens, eu me identificava por completo.
Na minha primeira investida e atrevimento em discutir Alagoas, Luiz Sávio de Almeida estava lá, incentivando, apoiando e abrindo os caminhos para que pudesse compreender melhor esse complexo território ainda cercado por tantos “mistérios” e desafios intelectuais.
Em seu clássico A tragédia do populismo: o impeachment de Muniz Falcão (4a edição, Eduneal, 2022), que inclusive conta com um posfácio de Sávio de Almeida, outro grande historiador alagoano, Douglas Apratto, aponta que “Alagoas, oligárquica desde as origens mais remotas, sempre foi refratária à gente de fora dos seus quadros políticos tradicionais” (p. 176). Podemos estender essa mesma compreensão para o mundo acadêmico e científico, que durante décadas reproduziu, numa escala menor e marginal, essa desconfiança com aqueles que se atreviam ocupar o espaço de fala e discurso das elites intelectuais que tinham origens e os pés fincados nas famílias tradicionais do estado. Isso mudou muito nos últimos anos, especialmente com a expansão da estrutura de ensino superior, liderada pela Universidade Federal de Alagoas.
Em 2014 lancei o livro Ensaios sobre o subdesenvolvimento e a economia política contemporânea (Hucitec Editora), reunindo um conjunto de textos publicados espaçadamente no tempo e organizados em duas partes. Na primeira, dedicamos 18 capítulos à Alagoas. O Prof. Sávio de Almeida escreveu sua apresentação. No segundo parágrafo desse texto ele já se posiciona criticamente: “É profundamente importante que as universidades somem na discussão da circunstância onde se encontram” (p. 17).
Esse foi um dos pontos relevantes que desenvolvemos no livro Outro modo de interpretar o Brasil: ensaios de administração (2a edição, Hucitec Editora, 2017), em parceria com o saudoso prof. Reginaldo Souza Santos, que nos deixou em outubro de 2022. Nesse texto tivemos a mesma preocupação que o prof. Sávio: a universidade brasileira precisa se engajar mais nos grandes desafios do país e contribuir, efetivamente, com a construção de uma proposta de desenvolvimento nacional. Por coincidência, Souza Santos assina o prefácio do mesmo livro que Sávio fez a apresentação. Infelizmente, perdemos os dois em um intervalo de apenas 4 meses. Que privilégio meu tê-los juntos em um dos meus livros.
Sávio chamou atenção para o importante papel que nós, enquanto acadêmicos e ligados ao ensino superior, temos em descortinar os problemas que teimam em se reproduzir mantendo inalteradas as relações de poder, econômico e social, que atravancam o desenvolvimento. Ele não buscou esse caminho necessariamente obedecendo aos cânones acadêmicos e rigor metodológico. Com sua versatilidade incomum, Sávio de Almeida conseguiu por diversas outras formas. Isso fez dele alguém muito especial e reconhecido por pessoas dos mais diferentes espectros.
Dar continuidade ao legado de Sávio de Almeida não é um uma missão simples. Mas, talvez, para as novas gerações a primeira e inarredável tarefa é visitar e revisitar sua extensa obra. Nela reside uma riqueza de argumentos, insights e maneiras de como se posicionar de maneira crítica para melhor compreender a realidade social, seus trajetos históricos, as possibilidades e perspectivas mais promissoras para os povos menos abastados, inseridos e dominados por um sistema social que combina o arcaico, tradicional, com o moderno, empreendedor, numa contínua dinâmica de reprodução de injustiças sociais, violência e concentração de riquezas.
Salve Sávio de Almeida, sua produção e existência não foram em vão.