C.K. Prahalad, famoso guru do management, falecido em abril de 2010, destaca haver uma “falsa” visão dicotômica centrada na mentalidade do “ou/ou”, como se não fosse possível desenvolver projetos rentáveis e sustentáveis ao mesmo tempo. Em governos, sua visão é ainda mais importante, pois muitas vezes os gestores não fazem uma análise clara dos riscos a que serão submetidos ao longo da gestão e acabam tomando decisões que comprometem os resultados.
O principal risco a que os governos são submetidos são os fiscais, que não se restringem somente aos passivos contingentes decorrentes de ações judiciais, como muitos pensam. Eles englobam também riscos macroeconômicos acerca da realização da receita ou do incremento da despesa, bem como as variações nos determinantes da dívida pública e o consequente impacto no serviço da dívida.
O principal tipo de risco que deve ser considerado é o risco orçamentário, que representa a possibilidade das receitas e despesas projetadas na elaboração do projeto de lei orçamentária anual não se confirmarem durante o exercício financeiro.
Assim, na arrecadação dos estados há um cenário bastante desafiador, pois temos de um lado a economia, que não dá sinais de crescimento e, de outro, a incerteza de como será a saída do imbróglio causado pelas leis completares n°s 192 e 194 que alteraram a tributação do ICMS, principal imposto do país. Infelizmente, a solução caminha para o aumento da alíquota modal do ICMS a partir de abril para um grupo de estados e para o aumento da base de cálculo dos combustíveis para todos. Entretanto, ainda é incerta a solução para a base de cálculo da energia, visto que até o momento não se chegou a um entendimento da questão com o governo federal da TUST/TUSD.
Além disso, somente em abril o Supremo Tribunal Federal irá decidir a questão da cobrança do Difal do ICMS. São bilhões em jogo nesta decisão, inclusive, com risco de devolução de recursos já arrecadados. Outro ponto que merece atenção é que as transferências do Fundo de Participação (FPE e FPM) não devem repetir o desempenho fora do comum de 2022, quando cresceram acima de 20% em relação a 2021. Talvez, apenas as participações governamentais do petróleo tenham desempenho próximo de 2022, mas mesmo elas devem apresentar um resultado pior.
Já pelo lado da despesa, há uma série delas de caráter obrigatório ou com gasto mínimo nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social que são: as despesas com Pessoal e Encargos Sociais dos servidores civis e militares do Estado, o pagamento dos benefícios previdenciários, os gastos com as ações e serviços públicos de saúde e educação, a dívida pública, os precatórios e o duodécimo dos poderes. Sobra muito pouco para o gasto discricionário.
Aqui o desafio será o impacto do aumento da inflação e dos juros, principalmente nos contratos de endividamento e o grande incremento em muitos dos insumos da área de saúde e de construção civil. Também haverá, na maioria dos estados, repercussão do crescimento da despesa de pessoal decorrente dos aumentos em praticamente todos os entes subnacionais nas despesas com os servidores em 2022. Também teremos a aplicação do incremento do piso dos professores em 15% e do novo piso dos enfermeiros.
Além destas questões deve-se observar que, até o momento, os estados e governo federal não chegaram a um acordo quanto ao ressarcimento das perdas das supracitadas leis complementares. Dessa forma, há um risco do assunto ser decidido pela justiça o que pode gerar repercussão negativa aos estados e municípios.
Outra questão orçamentária a ser observada com atenção é o aumento da taxa de crescimento dos precatórios judiciais. Na grande maioria dos estados, o valor pago não tem sido suficiente para diminuir o estoque a pagar, o que irá pressionar cada vez mais os entes para que seja aumentada a taxa de comprometimento da Receita Corrente Liquida com o pagamento.
O cenário para 2023 é por demais desafiador para os gestores públicos subnacionais, pois há claros riscos de frustação de receitas tributárias e de transferências com uma grande probabilidade de as despesas sofrerem substancial incremento. Esse provável descasamento exigirá um esforço muito grande de reduzir custos e de busca por mais eficiência arrecadatória. Será necessário buscar soluções criativas e o desenvolvimento de projetos em parceria com o setor privado e o governo federal, que finalmente parece que voltará a priorizar os investimentos públicos.
Esse será um caminho fundamental para minimizar o risco de o país continuar a apresentar taxas decrescentes nos investimentos públicos. Como o professor José Roberto Afonso destaca, ao analisar a visão de Keynes, que em economias emergentes como a nossa, há muito para ser feito. Falta infraestrutura logística, tecnológica e social. Há escolas, hospitais e segurança insuficientes e com baixa qualidade. Dessa forma, é fundamental termos uma boa performance fiscal para ser possível aumentar o nível atual de investimentos do país. Assim, conhecer os riscos orçamentários ajuda muito os gestores públicos a decidirem melhor e buscarem os projetos mais adequados ao cenário que se avizinha.
George Santoro