O projeto Rotas de Conversas Negras , iniciativa do Instituto Raízes de Áfricas, em parceria com o Pretas Construindo Futuros é uma ação itinerante, que a partir da escuta popular , acolhimento de histórias, busca fomentar espaços de cidadania e incentivar a participação social na construção de estratégias que consolidem a implementação de políticas antirracistas.
A nona edição do Rotas, aconteceu na manhã de segunda-feira, 28 de novembro, no município de São Miguel dos Campos e lá conhecemos a Cristina Silva, que quis nos contar uma história e o Rotas reservou tempo para ouvi-la
Cristina , que exerce a função de gari diz , que durante 5 anos, trabalhou na casa de uma senhora, na capital, Maceió. Tinha 21 anos. Era doméstica,
E demonstrando tristeza, Cristina conta que além da prática racista, a patroa xingava a moça de de lixo, preta suja e macaca, a mantinha em cárcere privado. Seus direitos eram cerceados: não podia receber a família, visitas, muito menos ir ao centro da cidade.
Assediada pela alma violentada por lembranças ruins, relata que, em uma manhã sua patroa estava regando as plantas, enquanto um rapaz podava as palmeiras, daí, o homem pediu água e ao entrar na casa para beber uma água, furtou um relógio.
Cristina presenciou a ação, mas, ficou com medo de entregá-lo, decidiu calar.
Quando a patroa deu por falta do relógio, viu na figura da empregada preta e pobre a “criminosa” ideal, bateu o martelo, com o veredicto e confiscou todos seus pertences.
A palavra de uma preta “serviçal” não era fiança para nada. As pessoas não acreditavam na moça e após uma busca cuidadosa, o relógio não encontrando, a patroa devolveu a moça para a família e, novamente fez a condenação pública. Gritou a plenos pulmões, no meio da rua, da casa de Cristina: "você ainda vai me pagar o relógio sua ladra, preta nojenta"
Cristina, aos prantos, e com muita vergonha continuou a negar.
Suas irmãs, também a diziam ladra: "Tenha vergonha Cristina vai para Maceió para roubar as coisas dos outros" .
Um mês, após, o ocorrido o relógio foi encontrado, com o rapaz que trabalhou na casa. Cristina não recebeu nenhum pedido de desculpas.
E Cristina fala sobre a ex-patroa: "Hoje ela tem todas as doenças que você possa imaginar. Não sai de cima da cama, o dinheiro não cura nenhuma doença dela, o dinheiro não compra dignidade!" .
E finaliza: “"Esse foi o maior trauma da minha vida, nunca fui tão humilhada, mas entrego nas mãos de Deus"
Durante esse período, aterrorizante, Cristina se sentiu desamparada Cristina sentiu falta de um espaço de orientação psicológica, jurídica, humanizadora.
O governo de Paulo precisa ir além, não só, simplemente, falar sobre racismo estrutural.
Urge, assumir posturas efetivas, eficazes, atitudes importantes, a partir do exercício do letramento e equidade racial.
Urge sistematizar a aplicabilidade real das políticas antirracistas de estado, para que nem Cristina, a preta gari ,nem outras pessoas pretas se sintam órfãs, desamparadas pelo estado.
O projeto Rotas de Conversas Negras conta com o apoio da deputada, Jó Pereira, empresário Isaac Pessoa, SEBRAE e Federação das Indústrias.
Texto com apoio de Monick Nascimento.