Reconhecimento. Gratidão. Lealdade. De umas duas semanas para cá, esses termos apareceram no noticiário de modo abusivamente ostensivo. O exemplo mais eloquente veio do governador reeleito do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL). Ao justificar a declaração de voto em Bolsonaro, agora no segundo turno, ele recorreu a essa gramatologia das relações pessoais. Nada profissional. Tudo emoção. Raízes de um velho Brasil. Por aí. Está nos livros.
Poucos dias antes da votação em primeiro turno, o então candidato a governador Rui Palmeira (PSD) também falou em gratidão a Bolsonaro. Pelo que entendi, o ex-prefeito de Maceió acha que o presidente “ajudou muito” a nossa cidade. Por isso merece a devida retribuição, o que basicamente significa apoio político. Difícil...
Nas redes sociais, o senador Fernando Collor (PTB) vai na mesma corrente de pensamento. Derrotado nas urnas, ele segue no apoio enfático ao Bolsonaro candidato. Sobre isso, texto na Gazetaweb ressalta a “lealdade” de Collor ao presidente. Leal a qualquer preço. Bater continência sempre. Um manda, outro obedece.
O que incomoda nesse trololó da política chinfrim é a mistura de teatro, casuísmo e, em alguns casos, um pouco de ignorância. Esse palavreado é mais do campo da subjetividade, eu diria. Combina com as veredas do mundo privado.
Nos governos e nas instituições, os apelos emocionais avacalham regras básicas da administração pública. Não por acaso o respeito ao princípio da impessoalidade está na letra da lei desde 1999. É uma questão de justiça social.
Mas e daí? No chão rasteiro dos acordos de ocasião, como diria aquele ministro do milênio passado, danem-se os princípios. Em nome de objetivos particulares, critérios de escolha decorrentes de lealdade e gratidão. Parece coisa de compadres.
Alardear que esse pensamento é regra na política seria previsível demais. Porque além dos atos na vida prática, temos antes um fenômeno de linguagem. E a linguagem é o labirinto mais complexo de nossas vidas. Mas esse é outro assunto.
Pra fechar. Palavras e ideias descabidas revelam indícios de condutas inadequadas. A recorrência desse discurso, como vimos em toda parte, expõe uma visão de mundo atrasada, refém de demandas paroquiais. Longe, muito longe do interesse público.